Trabalhei pouco mais de cinco anos na Colômbia como Assessor de Saúde Ambiental da OPAS/OMS. O país enfrenta até hoje vários grupos...

Consultoria no Canadá sem o visto americano

montreal quebec canada
Trabalhei pouco mais de cinco anos na Colômbia como Assessor de Saúde Ambiental da OPAS/OMS. O país enfrenta até hoje vários grupos terroristas, com destaque para as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), fundada em 1964. O governo colombiano gasta anualmente cerca de 20% do PIB para enfrentar esses narcotraficantes.

Bogotá, Colômbia
Muito antes do final de cada ano eu programava a viagem de minha família para passarem as férias natalinas em João Pessoa, logo após o término das aulas de minha filha. Minha viagem era sempre programada a posteriori devido a meu curto período de férias e, sempre que possível, próxima à última semana de dezembro. Em um determinado ano programei minha ida em uma sexta-feira, às 20 horas, faltando apenas quatro dias para o Natal. Iria trabalhar durante o dia, levando já comigo minha mala e apetrechos de viagem. Pedi a minha esposa para deixar minha mala arrumada, para facilitar minha viagem. Nesse mesmo dia quando estava trabalhando, aproximadamente às 10 horas da manhã, recebi a notícia que o prédio do Ministério da Saúde onde estava situada nossa sede, havia sido invadido pelos guerrilheiros das FARC. Imaginem meu medo, além da preocupação com minha viagem programada para o Brasil naquele dia. Devido à grande demanda dos turistas no período natalino, seria muito difícil conseguir outros voos para São Paulo nesse período. Se não conseguisse viajar naquela noite, teria que passar o Natal e o Ano Novo sozinho em Bogotá.

O tempo foi passando e depois de muita tensão após um acordo entre as FARC e o ACNUR (Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), ficamos livres a partir das 16 horas. Logo que fomos liberados, telefonei para meu motorista de táxi senhor José Muñoz, meu condutor de confiança, para levar-me ao aeroporto. Felizmente, cheguei a tempo para não perder o voo. É importante lembrar que o tráfico de drogas na Colômbia é muito forte. Em consequência, a fiscalização no aeroporto internacional El Dorado Luís Carlos Galán Sarmiento em Bogotá é muito rigorosa. É de praxe passarmos por três fiscais em locais diferentes até estarmos livres da alfândega. Na hora da revisão aduaneira, já totalmente esgotado, tive o azar do fiscal retirar todos os pertences de minha mala. Fiquei furioso porque a mala não mais fechava. Disse para o policial: “Agora feche, porque você tirou tudo de minha mala e não consigo fechá-la”. Quase que era preso por supostamente desacatá-lo. Imaginem como estava meu sistema nervoso! E eu que sou bastante “calmo”, como é de conhecimento de meus amigos mais próximos. Este relato dá uma ideia de como vivíamos estressados na Colômbia.

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Colômbia, 1990s: conflitos, atentados e protestos.
No começo de 1996, conheci Hermes Huertas y Huertas, Diretor da ONG Centro Nacional del Agua (CENAGUA). Posteriormente tive oportunidade de realizar algumas parcerias da OPAS, na área ambiental, com essa entidade colombiana.

Dois anos depois, fui convidado para uma reunião com Hermes na sede de sua empresa. Nessa ocasião, disse-me que um representante da Societé Québécoise d’Assainissement des Eaux, estava interessado em contratar um consultor para realizar um trabalho na província de Québec, Canadá, na área de saneamento, minha especialidade. Essa consultoria seria financiada integralmente por essa entidade canadense e eu já havia sido indicado por ele para realizar tal tarefa.
Expliquei que necessitaria da anuência do senhor Hernán Málaga, Representante da OPAS na Colômbia, meu chefe superior. Como meu relacionamento com ele era muito bom, a autorização foi dada de imediato.

O Canadá é um país muito desenvolvido e rico. De acordo com a política do governo, as empresas de água e esgotos são independentes. Existem companhias destinadas a operação e manutenção de serviços de abastecimento de água e outras, exclusivamente dedicadas a administração dos serviços de esgotos sanitários das cidades. Devido ao fato de haver bastante disponibilidade financeira do governo, o capital excedente era destinado à realização de cooperação internacional com países menos adiantados. O governo canadense financiava seus funcionários para viajarem por várias partes do mundo coletando projetos viáveis de sistemas de esgotos alternativos e simplificados, que pudessem no futuro, serem aplicados em ouras regiões menos desenvolvidas. O trabalho de consultoria que eu teria que realizar em Montreal seria avaliar os projetos coletados e selecioná-los para serem implementados posteriormente na Colômbia.

Montreal, Canadá
As empresas brasileiras, por tradição, não operam sistemas de abastecimento de água independentes da administração de sistemas de esgotos sanitários. Entretanto, foi fundada no Brasil em 1972, a Empresa de Saneamento da Guanabara (ESAG), destinada exclusivamente a gerir o sistema de esgotos sanitários da cidade do Rio de Janeiro. Funcionou apenas durante três anos, com bastante sucesso. Porém, desde 1975, as empresas públicas brasileiras, de maneira geral, administram em conjunto os sistemas de água e esgotos (quando existem) das cidades. Atualmente, com as licitações público-privadas em função do Marco Nacional de Saneamento, já existem contratos privados para gerir determinadas áreas específicas.

Iniciei imediatamente o processo para o visto no meu passaporte diplomático para o Canadá. Quem viaja para esse país já deve ter verificado que esse trâmite é bem mais burocrático do que para o dos Estados Unidos.
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PxB
Logo que entreguei meu passaporte à minha secretária, notei que meu visto para os States havia expirado. Não me preocupei por acreditar que haveria tempo suficiente para atualizar a seguir meu visto americano. Aconteceu que o bilhete aéreo que havia recebido já estava marcado com data mais antecipada do que aquela que havia sido prevista. Seria então impossível obter em tempo hábil o visto americano. Por essa razão não poderia viajar ao Canadá porque meu bilhete aéreo já havia sido emitido e o trajeto era: Bogotá-Miami-Montreal. Quer dizer, teria obrigatoriamente que fazer conexão em Miami. Sabemos que viajar a esse país sem visto seria, no mínimo deportado, e com a possibilidade de passar um tempo detido nessa cidade. Pensei com meus botões: “Vou apenas mudar de avião em Miami, e eu, possuidor de passaporte diplomático, não acredito que possa ser preso”.

Chegou finalmente o dia da viagem. Ingressei no avião e tentei relaxar durante o voo, chegando a Miami na manhã do dia seguinte. Desembarquei e me dirigi à alfândega. Depois que o fiscal verificou que meu passaporte estava com o visto americano expirado, chamou um policial mal-encarado e falou: “Leve esse sujeito a um determinado local”. Não entendi para onde seria. Fui levado a uma sala e fiquei esperando. Depois de aproximadamente uma hora, chegou um funcionário que me disse: “Infelizmente o senhor vai ficar sob a custódia de um policial até a hora da partida de seu voo para Montreal”. Graças a Deus, estava certo, o passaporte diplomático foi minha salvação.

Aeroporto de Miami, EUA
Fui muito bem tratado. Quem me acompanhou foi uma policial, com antepassados na República Dominicana. Fiquei passeando pelo aeroporto e ela, sempre me acompanhando. Tive que ir ao banheiro e ela ficou na porta à minha espera. Depois de conversar com a policial durante um certo tempo, resolvi comer algo em um dos restaurantes do aeroporto. Fiquei com receio de convidá-la, porém aceitou o convite para lancharmos. Acredito que, por ser brasileiro,minha nacionalidade tenha influenciado. Durante nossa conversa falou que os estrangeiros que chegavam sem visto americano eram colocados em uma sala enorme no próprio aeroporto e, normalmente, não eram bem tratados. Alguns deles tentavam pular pela janela do terceiro andar.

Setor de Imigração, EUA
Finalmente, fui levado ao avião, sendo o primeiro a entrar. Quando o avião aterrizou e cheguei na alfândega, fiquei surpreso com a recepção dos fiscais canadenses, todos sorridentes, desejando-me boa estada, com uma atitude completamente diferente das caras feias dos gringos de Miami.

Durante minha curta estada em Montreal e adjacências fui muito bem tratado pelos canadenses. Levei de lembrança várias seleções de músicas brasileiras gravadas em fitas cassette para os professores e consultores. Tive oportunidade de analisar inúmeros projetos coletados por eles e selecioná-los para que pudessem ser utilizados na Colômbia. Também tive a chance de visitar a famosa Universidade de Laval, com a esperança de contatar um de seus professores, Rubens Sette Ramalho, um engenheiro químico carioca radicado no Canadá e autor de um dos melhores livros que já conheci na minha área de atuação, intitulado Introduction to Wastewater Treatment Processes, 2ª edição, Academic Press.
Univ. Laval: Pavilhão Louis-Jacques-Casault, Quebec City, Canadá
Esse livro foi a base de minha dissertação de mestrado na Universidade de Leeds, Inglaterra. Tive ímpeto de voltar ao passado e reiniciar meu curso de engenharia, tal o nível dessa universidade.

Na volta para Bogotá, aconteceu a mesma burocracia. Fui novamente muito bem considerado pelos americanos, com uma escolta policial também feminina, desta vez, com antepassados em Porto Rico.

Como resultado de minha consultoria efetuada no Canadá, no ano seguinte a OPAS financiou juntamente com o CENAGUA e o governo canadense, a publicação do livro do qual fui o organizador, intitulado Sistemas de Tratamiento de Aguas Servidas por médio de Humedales Artificiales (Sistemas de Tratamento de Esgotos por meio de Zonas Alagadas). Esse documento foi traduzido do francês para o espanhol, e incluiu todos os projetos que selecionei.

Devido a periculosidade da Colômbia, éramos proibidos de viajar de carro. Só por meio de avião. Meu divertimento durante os sábados era passar o dia selecionando e gravando músicas latinas para minha coleção. De tanto escutar, gosto muito mais de músicas de origem hispânica atualmente, do que mesmo, de certas músicas brasileiras.

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  1. Que aventuras você tem vivido, Sérgio. Parabéns pelo texto. Francisco Gil Messias.

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  2. Excelente texto ! Admiro sua disposição e coragem!

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  3. Mariazinha Carvalho

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  4. Meu amigo Sérgio, essas suas aventuras, daria um excelente livro! Carreira de sucesso vc construí na sua vida profissional, tive o prazer de ser seu aluno no curso de Engenharia Civil da UFPB, e de ter trabalhado com vc na CAGEPA- Companhia de Agus e Esgoto da Paraíba! Parabéns, grande abraço! Fica com Deus

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  5. Ricardo Moisés

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  6. Uma leitura agradável que nos coloca quase como parte da história. Mais uma das interessantes histórias do Confrade Sérgio, ao longo de sua bela carreira profissional. Parabéns!
    Otávio Falcão

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  7. Jose Mario Espinola17/2/24 01:17

    “Calmo”?! Você? Fiquei imaginando a cena, você fuzilando com os olhos o policial da Colômbia …!
    Excelente artigo, Sérgio, muito bem escrito.
    Da gosto de ler. Aliás, as suas aventuras são impagáveis.

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  8. Jose Mario Espinola17/2/24 01:21

    A passagem pelo aeroporto americano me lembrou de um filme dirigido pelo paraibano José Joffily: Olhos Azuis.
    Excelente!
    Mas é justamente o contrário do tratamento que lhe deram.
    Excelente, repito, imperdível, até, porém trágico.

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  9. Bela narrativa. País ingrato esse nosso em não reconhecê-lo à altura.
    Marco di Aurélio

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  10. Muito grato amigo Marco Di Aurélio.

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  11. Ana Maria Torres Pontes17/2/24 21:03

    Muito interessante o relato . Você sempre contribuindo com a nossa área de saneamento . Parabéns por mais esta !

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  12. Ao narrar essas venturas e desventuras em andanças colombianas norte-americanas e canadenses, você acrescenta um "must" mais descontraído no seu excelente currículo de profissional sério e de renome internacional. Parabéns, Professor Sérgio !!!

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