As Enéadas são a reunião de cinquenta e quatro tratados separados em seis capítulos, cada um deles composto por nove partes, número que justifica a sua denominação. Em grego, ennéa significa “nove”. São aulas proferidas pelo filósofo grego Plotino (204—270 d.C.), posteriormente editadas e compiladas por seu discípulo Porfírio (233—305 d.C.). Os tratados foram escritos durante o tempo que Plotino permaneceu em Roma,
dedicando-se ao estudo e ao debate das questões mais relevantes para a compreensão da natureza divina e humana.
Em Enéadas V. 8 [31], Plotino apresenta todo o percurso cognitivo necessário para que a alma, em sua atividade contemplativa, alcance a visão do “universo inteligível". Ele descreve essa realidade como uma identidade de ser, pensamento e intelecto. É a essência fundadora e verdadeira da Alma, a qual possui várias potências que estão em funcionamento mesmo quando não conscientes de sua atividade. As potências podem ser irracionais quando incorporam as partes inferiores da alma, e também podem ser suprarracionais, no caso da parte conectada ao inteligível.
Conforme a visão de Plotino, “a Beleza é o princípio fundamental e está intrinsecamente ligada ao conceito do Bem”. Ele sintetiza as ideias dos filósofos gregos Platão (428/427 a.C.—348/347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.—322 a.C.) sobre a forma e a teoria pitagórica da harmonia, representada pelos números. É possível identificar um domínio estético e metafísico ao aproximar suas teses quanto ao Uno, à Beleza e à Contemplação, destacando e explorando a tendência humana e de todas as coisas a conectarem-se com o Divino por meio da espiritualidade. Outro aspecto importante é a explicação racional da realidade: é necessário compreender a Contemplação e o Uno para compreender o Belo.
A concepção da beleza na filosofia de Plotino está relacionada a três níveis da realidade (a Alma, o Intelecto e o Uno), não se restringindo às disciplinas artísticas ou a um campo expressivo que possa dar origem a uma Estética. Ela deve ser compreendida a partir de uma visão metafísica. A Alma é como um universo compreensível, ligada por suas partes superiores ao inteligível. O Intelecto é a totalidade das formas e cada uma delas é o Intelecto total, de um modo potencial. Cada forma, no interior do Intelecto, é uma essência viva e pensante, um intelecto particular que pensa todos os outros e que os contém potencialmente. O Uno é origem de tudo e finalidade essencial de todos os seres. É todas as coisas e nenhuma delas é o Uno. É radicalmente transcendente, está acima do ser e, por isso, não pode sequer ser nomeado.
Plotino era monista, pois conferia o sentido e o princípio de tudo a um único Ser, que também seria a fonte do conhecimento. Platão, por sua vez, era dualista, porque acreditava em uma dupla e distinta realidade, constituída pelo Mundo das Ideias e pelo mundo físico. O estatuto da arte na filosofia plotiniana é valorizado enquanto se constitui como uma das formas de reconhecimento da beleza, refletindo-se na arte por provir da forma presente na mente do artista e não de sua habilidade manual. O artista traz à visão a beleza quando possui o conhecimento intelectual da forma, não por sua habilidade prática.
Em Enéadas III, 8 - A Natureza, a Contemplação e o Uno, Plotino apresenta a existência de duas formas de Contemplação, uma constituída por “ações necessárias” e outra constituída por “ações espontâneas”.
As “ações necessárias” direcionam a atenção para objetos externos a si. Plotino declara:
“Assim, quando a capacidade de Contemplação se debilita nas pessoas, elas partem para a ação, que nada mais é do que uma sombra da contemplação e da razão. Incapazes de se dedicarem à Contemplação devido à fragilidade de suas almas, elas não conseguem alcançar e vivenciar plenamente o objeto da contemplação, mesmo que desejem vê-lo, e por isso se lançam à ação, buscando enxergar com os olhos aquilo que não podem perceber com a inteligência. Ao criar objetos, é porque desejam ver e contemplar. E ao se dedicarem ao trabalho, é porque desejam vê-lo e fazer com que os outros também o sintam.”
As “ações espontâneas” direcionam o desejo para o íntimo humano, para alcançar a realidade por meio da contemplação. Por exemplo, uma obra de arte deve ser apreciada intelectualmente — com a razão; e deve despertar sentimentos — deve ser sentida.Enéadas III, 8-1.
Na filosofia plotiniana, a Contemplação se estende a todos os seres racionais e irracionais. Existem três formas encontradas: a Contemplação em relação à criação da natureza; a Contemplação em relação às ações humanas; e a inclinação à Contemplação.
Os caminhos da contemplação definem o Uno para se aproximar do Belo. De acordo com Plotino:
“Tudo o que é, é através do Uno, tanto os seres que são o próprio sentido da palavra quanto aqueles que chamamos de seres entre os seres (...) Portanto, não tem qualidade, nem quantidade, nem inteligência, nem alma, nem é móvel, nem está em repouso, nem tem lugar, nem tempo (...) O Uno é o simples e o princípio de tudo.”
Enéadas VI. 9, 1,3, 5-6.
Plotino declara que, se almejamos o Bem, é imperativo que retornemos à fonte que reside em nós mesmos e nos tornemos uno ao invés de múltiplos. Com isso, o filósofo nos ensina que somente alcançamos o Uno quando nos tornamos uno. O filósofo ensina:
“É necessário afastar-se de todas as coisas e voltar completamente para o interior de si mesmo, sem se aproximar de nada externo. O Uno não está fora de nenhum ser; ele está presente em todos, mas eles não o percebem, pois fogem dele, ou melhor, de si mesmos, e, dessa forma, não podem alcançar aquilo de que fugiram nem buscar outra coisa depois de terem se perdido. Aquele que se conhece verdadeiramente conhece a origem de onde provém.”
Enéadas VI. 9, 7.
Na busca pelo Uno, é essencial que o indivíduo reconheça e se una ao outro para contemplar a Unidade, a fim de se encontrar com o Uno e, por conseguinte, encontrar-se a si mesmo por meio da unidade — o Bem.