Era gordo. Nem tão balofo como se pode imaginar. Mas sobrado em banha. Pelo que soubesse, encantado com a cozinha. Empilhara algumas...

A sopa do gordo

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Era gordo. Nem tão balofo como se pode imaginar. Mas sobrado em banha. Pelo que soubesse, encantado com a cozinha. Empilhara algumas caçarolas de alumínio, outras de barro paradas no chão batido. Logo após terminar a construção da média barraca de madeira agarrada ao muro exterior da fábrica de refrigerantes, veio nos pedir água e começar a amizade conosco.

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Início de conversa, se identificou como solteirão (nunca tivera sorte com mulheres), trabalhara como caseiro. Aprendera a cozer várias iguarias. Sentindo-se que lhe chegava o tempo mais avançado, resolveu recolher a vida à expressão mais simples. A parca aposentadoria lhe dava a cobertura.

Possuía os últimos parentes (por sinal bem afortunados) a quem visitava nas festas do ano. Melhor viver a independência. O sangue é quem mata o corpo - dizia com um sorriso irônico de poucos dentes.

A meninada da rua se acercava do obeso, quando, ao deslustrar do sol, ele se sentava num tamborete, frente à sua humilde morada. Nem se falava em perigo qualquer de pedofilia. O gordo era pessoa de missa, respeito e quase ingenuidade. Trazia à garotada a simpatia natural, preparava doce de coco e o distribuía com as crianças. Estas aprendiam adivinhações, mágicas, outras invencionices. De tal maneira que se formou, naturalmente, um miniclube. Inclusive, ele se vestia de Papai Noel ou de Rei Momo, conforme a época adequada. Tornou-se, assim, um ídolo da pirralhada.

Mas, dentre tudo o que preparava com suas mãos grandes, esparramadas era uma sopa. Suculenta sopa. Gostosíssima. Levava um pratarraz para nós. Fumegante sobre a mesa, quando baixava
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mais a temperatura, nós a sorviamos, gulosamente, despelando a língua. Mamãe acostumada ao feitio de diversos pratos ficava absorta quanto ao tempero pelo gorducho usado.

Num dos finais de tarde, o vizinho da barraca demorou a trazer a esperada sopa. Sairíamos a uma sessão de cinema. Mamãe notou a meninada ausente. Foi até lá. E flagrou o gorducho cozinheiro, mexendo a guloseima, suando em bica e coçando as axilas sobre a caçarola, em que preparava a esperada sopa. Ela saiu sem ruídos e nos contou indignada. Que falta de higiene!

Papai, do assento onde estava deu uma gargalhada: — É o tempero.

Nunca mais tomamos a sopa. Mesmo porque o gordo se mudou em pouco tempo. As últimas que ele trouxe num caldeirão amassado, as despejamos no esgoto. Nada se falou a ele sobre o flagrante.

Deixou saudade. Muito mais nas crianças que perderam momentos felizes na companhia daquela figura exótica: um homem ‘feio', adiposo e de pouco asseio que conseguia cativar as crianças com suas sadias brincadeiras.

Mas a sopa era ímpar no sabor… Isso não se poderia negar, mercê da sudorese e pelos de axila nela!

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  1. O melhor tempero da sopa era o amor 👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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