“Minha terra de sol e amendoeiras
E de moiras, ardentes feiticeiras
Encantadas no fundo das cisternas
Fui num berço de fadas embalada
Na terra moira que me viu nascer.
Fui eu, talvez, a última encantada
Ouvindo as fontes ao entardecer...”
Nita Lupi
Nita Lupi
As lendas de mouras encantadas são um caso verdadeiramente especial de literatura popular. Estas narrativas lendárias só aparecem na Península Ibérica e no Sul de França, regiões que, desde o século VIII, acolheram as invasões muçulmanas, sendo, evidentemente, muitíssimo mais significativas de Norte a Sul de Portugal e em Espanha.
Castelo Mouro da Penha J. Holland, 1837
Encantamentos ligados à mística solar (os cabelos louros, as meadas de ouro, os tesouros, o solstício de Inverno, a regeneração intrínseca, a fertilidade interminável e cíclica), ao ciclo lunar (as trevas, o recolhimento, o solstício de Verão), à natureza que se interpenetra, à terra, às fragas, à água, a tudo, enfim, quanto é mutável pela força do tempo e da própria vida. E a lenda, que não pode faltar onde existam coração e alma, lá está perpetuando a recordação e os panoramas de feitiço.
Paisagem portuguesaJoaquim Rodrigues Braga, S.XIX
Aclamada de “vila florida do Baixo Alentejo”, Moura está situada no além-Guadiana, banhada pelas ribeiras de Brenhas e Roda, que se unem antes de entrar no rio Ardila, e dista alguns quilómetros de Serpa. O seu passado caminhou, muitas vezes, paralelamente ao desta. Facilmente somos transportados para um tempo distante, quando as vicissitudes de uma época passada, marcada pelas acções dos invasores anteriores e posteriores ao período romano, deixaram o seu registo indelével na organização do território, à medida que esta zona se foi gradualmente incorporando no solo português.
C. Castelia, via GMaps
Moura foi desde muito cedo uma povoação fortificada. O rei D. Dinis consegue os direitos definitivos de Moura em 1295 e promove a remodelação do castelo tal como acontecera em Serpa, embora este apresentasse dimensões mais reduzidas. Foi erguido na sequência do foral dado à povoação por D. Manuel I. Segundo o desenho feito por Duarte d’Armas, no seu “Livro das Fortalezas”, o castelo era composto por uma grandiosa torre de menagem que se erguia no terreiro, circundado por uma muralha torreada. É provável que a primitiva muralha defensiva não fosse dupla. Mais tarde, com as guerras da Restauração, o castelo sofre delapidações várias, ainda que menos do que a fortaleza. Quando se procedeu à sua reconstrução, esta respondeu já ao modelo matriz de construção abaluartada adaptada às novas exigências da artilharia utilizada, rentabilizando ao máximo a eficácia da defesa, até à significativa destruição provocada pelo terramoto de 1755.
Moura recebe de Afonso III o seu primeiro foral e os sucessos da sua primitiva conquista aparecem frequentemente associados a uma lenda que fala de uma formosíssima moura chamada Salúquia, filha do grande e poderoso Abu Hassan, governador de certa praça-forte que os cristãos ambicionavam conquistar. Diz-se que nas noites amenas, em que a terra se prateava de luar, a bela Salúquia entoava simples e ingénuas “romanzas” que deixariam os homens enamorados...
Corria o ano de 1226. Salúquia estaria para casar com Braffma, um jovem nomeado para alcaide do castelo e governador da vila espanhola de Arronches, a antiga Arucci Vetus. Certo dia, estando Salúquia à espera do seu apaixonado para
Tal é a história lendária da bonita cidade de Moura, anteriormente apelidada de Aruci Novum e Al-Manijah que, em memória da princesa, as armas da vila representam uma torre brasonada com uma mulher, vestida de prata, que ter-se-á lançado por uma janela, com as chaves na mão. As brumas do tempo conservam na memória das gentes as narrativas, as estórias de Moura e do seu castelo.
E à semelhança de qualquer relato distante e desvanecido, da pedra branca – e que depois se fizera vermelha, cor de sangue – do mágico e singular perfume de Salúquia, guardada por um jovem desconhecido como lembrança da bela moura, nada mais se soube, nem mais se saberá...