Faz parte das brincadeiras da infância, e das brincadeiras cretinas da juventude, colocar apelidos nas outras pessoas: irmãos, colegas, vizinhos, todos podem ser alvo de uma atividade (geralmente) chata chamada “apelidar os outros.” É inevitável.
Porém existem pessoas que passam dessa idade imbecilóide, saem dessas fases cretinas, mas que continuam pondo apelido nos outros. São dotadas de espírito de porco, pois têm prazer de criar mal-estar em alguém. Muitas vezes, no entanto, o destino prega-lhes peças.
Do outro lado, ao longo da vida nos deparamos com pessoas que estampam apelidos (literalmente) na cara. Por exemplo: o colega da Primeira Série B tinha um grande sinal de cabelo na lateral do rosto. E ainda era imberbe. Tacaram-lhe o apelido de Paulo Bigode-Errado.
Eu mesmo senti isso na pele: por ser pequeno, também no Curso Ginasial do Colégio Pio X, o querido colega Buguinho (Himdemburgo Feitosa) me botou o apelido de Salário-Mínimo! Mas nunca liguei pra isso…
Nesses tempos o curso superior que estatisticamente tinha maior incidência de apelidos por população de alunos universitários era a Escola de Agronomia da UFPB, de Areia. No referido curso tinha um aluno que apresentava marcas de varíola no rosto. Apelidaram-no de Bordado. Outro era negro, tranqüilo, baixo e forte: Dim-dim de Uva! Tinha outro chamado Zé Furico.
Lá havia também o colega pornofônico, que eles apelidaram de Boca-de-Botico. Quando o momento não dava para enunciar o seu apelido, os colegas abreviavam educada e carinhosamente para “Txico!”
Na vizinha cidade de Bananeiras existe o curso técnico de Agronomia. O próprio curso tinha o seu apelido: Capa-gato!
Havia algumas pessoas cujos apelidos eram óbvios. Por exemplo: Xãinha tinha uma coceira crônica em suas partes íntimas. Pegou com a prostituta da Lagoa, que tinha um pezinho deformado e era conhecida por Zefa Pé-de-Porco. Bocão realmente falava demais.
José Reinaldo foi apelidado de Marreco, por causa do seu modo jeito de andar. Olhando à distância do tempo, notamos que ele tinha mesmo um jeito de palmípede. Mais ou menos como o Sérgio Moro.
Era o caso de outro colega: Cegonha. Ele realmente era alto, pernas longas, andar manso, e circunspecto como uma cegonha.
Na Churrascaria Bambu um dos garçons tinha uma perna menor que a outra, e por isso tinha um andar característico. Assim, era carinhosamente chamado de Ponto-e-Vírgula.
O colega de Silvino tinha as arcadas dentárias amplas e salientes, especialmente quando ria. Apelidaram-no de Piano; porém outros o chamavam de Cheio-de-Dentes. Já Delano Rapa-Côco, à época tinha a arcada dentária proeminente.
Mas havia aqueles cujos apelidos não tinham lógica; porém pegaram, graças à reação do apelidado. Careca Miau, por exemplo, não era careca nem miava.
Nas nossas brincadeiras, quando ficava chateado com o meu melhor amigo, o saudoso David Trindade Filho - DTF, eu o chamava “Detefon”. Somente para aborrecê-lo eu abusava das suas iniciais.
No colégio Pio X, um professor, Irmão Ricardo, ficava furioso com o apelido de Irmão Mutuca. Ele sempre punia quando pegava. Mas para encher-lhe o saco, os moleques do Pio X escreveram certa vez, em letras garrafais no muro em direção ao campo de futebol, a palavra ACUTUM. Tudo bem. Mas, ao retornar do treino, Irmão Ricardo pôde ler bem grande: MUTUCA!
O professor de natação do Clube Astréa, Zé Carlos, era useiro em colocar apelidos. Camelo tinha, realmente, as costas meio arqueadas e o pescoço longo e curvo. E o nariz alongado e proeminente. Na natação nós tínhamos vários apelidados, todos colocados por ele: Tamanho-de-Homem, Skinding, Cocada, Flika... O professor nunca chamava a gente pelo nome. Toinho era Bago-de-Jaca.
Ao longo da vida, realmente encontramos figuras com apelidos engraçados. E o apelidado, às vezes, pode proporcionar diálogos incríveis. Foi o caso do colega de turma, um dos Chicos. Este tinha logo dois: Chico Peninha, por causa do seu jeito engraçado; e o chamávamos, também, Seu Eliseu, pois só vivia liso e por isso era muito pidão.
Certa tarde estávamos conversando no Ponto de Cem Réis quando chegou Chico, que foi logo pedindo a outro colega:
“Bellini, me empresta 10 cruzeiros”
“Tenho não, Chico”
“Então me empresta 5?!”
“Tô sem dinheiro”
“Sê covarde, hômi! Me empresta ao menos 2???”
“Eu já disse que estou liso, Chico!”
“Então me dá um cigarro?”
“Estou sem cigarro”
“ E o que é isso no seu bolso??”
“É um colírio”
“Então pinga 2 gotinhas nos meus olhos!”
Havia outro colega de turma, o saudoso Marconi Rates Santiago, que era franco demais, e às vezes era impaciente e dava muita poupa: apelidei-o Marconi Poupeiro.
E ele me chamava de Besouro, por causa da minha voz grave. Ele dizia que eu não podia passar fila, na prova, por que o professor escutava. Pelo mesmo motivo, Chico Pombal me chamava de Caixa-de-Som.
Pouco depois que retornou da Residência médica em Ortopedia, Marconi operou o joelho do pai de outro colega nosso, Everaldo Belmont, a pedido deste. Quando terminou a cirurgia, Everaldo perguntou, insistentemente, quais seriam as chances de o joelho do seu pai voltar à normalidade.
Marconi respondeu, com sua proverbial franqueza:
“Belmont: joelho, cabeça e relógio, abriu uma vez, não presta mais!”
Geralmente o apelido só pega quando o apelidado dá margem para isso. Mas tem as exceções. Cláudio Macaco-Branco é uma grande figura, que nunca se importou com o seu apelido.
Boca-de-Caçapa tinha, realmente, uma boca considerável, e também não ligava. Gilson, por sua vez, nos tempos de colégio era alto e muito magro. Não deu outra: recebeu o apelido de Caveirão. Mas não ligava.
Os dois gêmeos eram tão parecidos que os apelidaram de Já-Caguei e Tô-Cagando. Mas eles não ligavam, não. Uma vez perguntaram a um deles: “Você é Já-Caguei?” “Não, eu sou Tô-Cagando. Já-Caguei é o outro”
Mas havia outros que chegavam às vias de fato por causa do apodo. Canário Belga, muito louro, era um desses.
Augusto Vaca-Braba brigava todos os dias, na saída do Colégio Pio X. Chegava até a ser referencia de horário: “Xi! Já deve ser meio-dia!”, diziam alguns colegas, ao vê-lo brigar.
O Clube Cabo Branco era uma floresta de apelidos. Lá, a fauna era rica e variada. Havia Marcelo Xexéu, que jogava gamão com Petronio Concriz. Tinha os irmãos Pingo e Bolha, naturalmente um mais gordo que o outro. Já s irmãos Xaréu e Albacora jogavam xadrez. Péricles era magro e alto, justificando o apelido de Ombreira.
Todas as tardes podíamos encontrar no cafezinho, às gargalhadas, Airton Risadinha, batendo papo animado com Marcelo Bosta-Preta, Ary Galinha e Paulo Mula-Prêta. E lá na calçada, Budu Ladrão-de Bagdá trocava idéias com Biu Caveira e Chucha Chupa-Pús. Nas quadras do Cabo Branco, lá em Miramar, podíamos ouvir chamar Piola, Catôta e Siri-Babão.
No Restaurante Panorâmico o melhor dançarino era Marcos Colorau. Dele foi que derivou o inevitável apelido do seu irmão, Fernando Cuminho. Outro dançarino elegante era o saudoso Francisco Botelho, cujo apelido não pôde ser outro: Manequim.
No bairro do Miramar das antigas todos os rapazes tinham apelido: Preá, Rato, Sabugo, Canjica, Pixuin, Cocô, Caçote, Rapa Côco, Ovo, Cego Bila, Cueca, Ferro Elétrico, Sapo, Carrapato, Bel Maracujá, Piola, Pezinho, Cebola, Gavião, Pau d'água, Baiacu, Mulambo, Mucego, Budog, Mariquinha, Léo dos Galos, Pastor, Cuscuz, Marreco, Bode, Peteleco, Pinina, Poico, Peninha, Papagaio, Macaco e João Bobão. E eles num brigavam nenhum pouco...!
Ruy Castro, em seu livro A Noite do Meu Bem, conta que Nelson Gonçalves era gago. E muito genista, pavio curto: estourava por tudo. E quando ficava nervoso gaguejava: “...E tá-tá-tá-tá-tá...”, ficando ainda mais nervoso quando riam. Apelidaram-no de Metralha. Mas ninguém tinha coragem de dizer isso abertamente…
O Colégio Pio X não ficava para trás. Meu irmão Humberto lembra-se bem de O-Amigo-da-Onça, com seu rosto triangular bem característico; o galego Cléssiton Cebôla-Branca; Afonso Padèco, também apelidado de Padre Hozana; Paulo Açucareiro e Júnior Tripé.
Humberto foi apelidado de Foquinha por dois motivos: menino ainda ele gostava de fazer reportagens jornalísticas, ou seja: era um foca. No Colégio Pio X, com apenas 12 anos ele foi responsável pela coluna de Esportes do jornalzinho da Cruzada Eucarística, O Apóstolo. Ah, sim! Ele realmente era dentuço, o que foi corrigido depois.
Em sua juventude, o primo Hélio tinha um colega que era tato: ele tinha dificuldades para pronunciar as consoantes. Recebeu o apelido de O-ha-ha Hi Hô-ho (Cocada de Côco). Já o vascaíno do Miramar, que era fanho, era carinhosamente(?) chamado de Fonhonha pelos seus amigos.
Já o próprio Hélio era chamado de Besourão, devido à sua paixão pela entomologia.
Gilson Melo tinha um amigo que frequentava tanto o cabaré, que seus companheiros o apelidaram de Prostibulossauro. Na Casa do Estudante existia um baixinho de Misericórdia metido a brabo, que foi apelidado de Tamborete de Forró.
Havia um rádio-amador chamado João Dumont do Nascimento. Era hipocondríaco e vivia “doente”, e por isto seus colegas apelidaram-no de João Doente de Nascimento. Ao cumprimentá-lo, não diziam “Como vai?”. Perguntavam: “Onde dói?”
Quando lá estudei, o Liceu Paraibano foi palco de batalhas homéricas de apelidos. Havia Morcego: era moreno claro, tinha as sobrancelhas ligadas numa linha só, e as orelhas quase que pontiagudas.
Não posso me esquecer das irmãs muito unidas, que estudavam no científico para engenharia: foram apelidadas Seno de Alfa e Co-seno de Beta. Do colega malandro: Co-Tangente. E o magrinho era Co-Secante!
Há algumas pessoas que têm espírito-de-porco, e mania de botar apelido nos outros. Mas às vezes podem se dar mal. Tem um caso exemplar, que eu passo a narrar a seguir.
Antonio Carlos era freqüentador assíduo do gamão do Esporte Clube Cabo Branco. Não sei exatamente por que, pois era até um pouco magro, o fato é que apelidaram-no de Antônio Carlos Bunda-Boa.
Ele morava lá no centro e estudava no Liceu. E todas as manhãs pegava a Rua General Osório, descia a Rua Padre Meira, circundava a Lagoa e subia a Avenida Getúlio Vargas, para assistir às aulas no Liceu.
Tinha um amigo inseparável e seu colega de turma, que tinha o apelido de Eduardo Pão-de-Bico, devido ao formato de sua cabeça. E que morava uma quadra abaixo da dele.
Coincidia que na mesma rua, alguns quarteirões abaixo, havia uma menininha linda, morena, baixinha, chamada Maria de Lourdes. Ela estudava no Liceu, no mesmo horário de Antônio Carlos, porém em outra classe. Ela sempre ia apressadamente à frente, e os dois cretinos seguiam atrás, dizendo brincadeiras, molecando com a bichinha. Mas sem chamá-la de nenhum apelido.
Por ela ser muito magrinha, o cretino do Antonio Carlos, maldoso, tacou-lhe o apelido de Lurdinha Cu-de-Linha. E espalhou o veneno pelos colegas, que caíam na gargalhada.
O mundo dá muitas voltas. O tempo passa, e pode deixar marcas. Às vezes o destino é cruel, e prega peças nas mentes mais malignas.
Certo dia Eduardo Pão-de-Bico adoeceu, e passou uma semana sem ir ao colégio. Para não ir sozinho, Antônio Carlos passou a se fazer acompanhar por Lourdes, que não tinha a menor idéia da mente sórdida do seu colega.
Pois não é que Antonio Carlos começou a ver Lourdes sob outro ângulo? Descobriu uma pessoa excelente, culta, estudiosa, responsável. Boa filha, irmã mais velha de uma prole, pais da classe média, que criavam os filhos com muitas dificuldades.
Passaram a trocar revistas. Depois, livros. Logo, logo estariam se confiando segredos. Levava-a para a matinê do Cine Rex aos sábados. Ganhou a confiança dos pais da moça, que permitiram que a levasse para as matinês do Clube Astréa, aos domingos. Tudo isso acompanhada de três ou quatro dos irmãos dela, é claro. Chegou a Festa das Neves, e não faltaram passeios de canoa, bate-bate, roda gigante, tiro ao alvo, e a inevitável Monga, a Mulher que Vira Macaco.
Tudo isso era acompanhado de algodão doce, cavaco chinês, maçã do amor e castanha confeitada para todos. E do cachorro-quente de Nêga da Praia do Poço, sempre regado a caldo de cana. Namoro caro!
E o coração passou a bater mais rápido: Antonio Carlos apaixonou-se por Lourdes!
O amor é lindo: pois não é que Antonio Carlos Bunda-Boa terminou casando-se com Lurdinha Cu-de-Linha!
Ah!, sim: Pão-de-Bico foi o padrinho do casamento de Bunda-Boa com Cu-de-Linha!