Ora, direis, ouvir besteiras! Pois é só o que eu tenho escutado, de uns tempos pra cá.
É natural encontrar anglicismos, na língua falada ou escrita. Isso pode acontecer em todos os idiomas: a adaptação de palavras de outras línguas que se tornam corriqueiras num determinado país.
É natural encontrar anglicismos, na língua falada ou escrita. Isso pode acontecer em todos os idiomas: a adaptação de palavras de outras línguas que se tornam corriqueiras num determinado país.
O amor pela língua máter em alguns países pode chegar às raias do exagero. Na Argentina, por exemplo, até há algum tempo, todos os filmes tinham que ser dublados em castelhano. Portugal é outra nação que preza muito a sua língua.
Ariano Suassuna era acusado de cometer exageros ao procurar purificar e salvaguardar a nossa língua. No entanto eu simpatizo muito com o arianismo, pois estou desenvolvendo ojeriza ao que ando lendo e ouvindo, de uns tempos pra cá.
Final do ano saí para dar uma volta, encontrar alguns colegas de turma que estavam visitando a nossa cidade. Eles marcaram para nos encontrarmos no Mégui xópin. Lugar que adoro, não gostei da pronúncia, pois o nome é MAG, formado pelas iniciais do meu amigo e grande empresário Manuel Alceu Gaudêncio.
Outro dia precisei comprar algumas coisas para as minhas cadelas. Procurei uma loja de animais de estimação, e não encontrei nenhuma. Já ia desistindo quando meu filho me disse que eu deveria procurar uma pétishópi. Após saber o que era eu fui até uma, e quando fui pagar a moça perguntou se eu tinha quéshibéqui .
Perguntei-lhe “Cuma, dona?!?”
“Sim, quéshibéqui. Desconto!” Quase que desisto da compra.
Não dá mais para ouvir rádios, assistir a TV, e até assistir a palestras, científicas ou não. Estou começando a não entender quase nada do que falam, pois tenho um defeito de origem: eu nasci no Brasil!
Outro dia, ao ligar a TV, comecei a assistir ao pódicásti de um músico que não canta músicas, e sim diz frases, entrevistado por um tal de dijêi. Súbito ele começou a falar que entrou numa váibe após ter tido um inssáiti numa fitinéssi. Quando falou num tal de bróder eu mudei de canal.
Fui ver noticias e análises políticas. Aí a apresentadora comentou que aquelas notícias divulgadas no sáiti do fêicibúqui eram todas fêiquinius. Ainda bem que inventaram o controle remoto.
Fui procurar outro canal, e no noticiário econômico um comentarista estava fazendo uma análise de uma nova mania (para mim), que é o aluguel por horário de salas para negócios. Súbito ele disse que conversou com o siô de uma empresa, que lhe falou que aquele có-uórqui era um quêizi de sucesso.
A princípio fiquei confuso, quase zonzo, pois não achava mesmo estivessem falando de fabricação de queijos. Foi quando a minha neta Arielle, que é desta geração e acabou de fazer o Enem, me esclareceu tudo. Mudei de canal de novo.
Cheguei ao meio de uma apresentação científica no exato momento em que a conferencista dizia que aquela determinada medicação sofrera um apigrêidi, e estava sendo indicada para tal grupo de doenças. Lá fui eu de novo.
Comecei a assistir a uma partida de futebol. Pelo menos os dois times eram daqui do Nordeste. Foi quando veio o intervalo.
Uma das propagandas começou a falar numa tal de béti. Outras também. Já outra mostrava o novo cóquipiti de um carro de corridas Fórmula 1. Depois veio uma sequência de moças e rapazes dizendo: “Faz um épi!”
Desliguei a TV e abri o celular. Os meus colegas cinéfilos estavam dizendo que aquilo que a amiga estava comentando era ispóiler de um filme que ainda ia chegar aqui na nossa cidade, o que não podia acontecer dentro do grupo. Foi quando nosso crítico de cinema, e dono do grupo, ameaçou: “Eu desligo você do sáite!” Aproveitei a deixa e desliguei o celular.
Quando eu nasci (e até uma década atrás), aqui no Brasil se falava português. Um português um pouco diferente do que se fala em Portugal, porém inteligível. Uma língua elegante, agradável aos ouvidos. Palavras com pronúncias bonitas, como: epopéia, tarântula, bichinho, umbral, turica, cristalina, rubéola, pimpolho, menina, rúcula, filariose... E centenas de milhares de palavras que soam agradáveis aos ouvidos. Como, por exemplo, a relação de aves na música Passaredo , de Chico Buarqe de Holanda:
Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru...
Muito mais bonitas do que essa cacofonia (taí outra palavra bonita!) que está invadindo e colonizando a nossa língua.
Décadas atrás Paulo Bezerril, desembargador e professor universitário, um dos melhores amigos do meu pai, me impressionava pela forma elegante como pronunciava as palavras. Ao visitá-lo em seus últimos dias, conversamos bastante.
Atualmente as entrevistas, depoimentos, inserções, comentários, filmes de TV, está tudo poluído por língua estrangeira. Mais exatamente o inglês. Tem palavras que são ininteligíveis, para mim. Porém estão sendo utilizadas banalmente.
Percebo que está piorando! Não se trata mais de anglicismo o que está sendo praticado no Brasil. Trata-se de americanalhismo, de puro entregüismo!
A minha tristeza é ver que a minha geração está se entregando, ingenuamente.
VALEI-ME, MEU SANTO ARIANO!