Varal
Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste varal mágico, o que se vestiu, o que existiu, o que é e não simplesmente foi, o que está exposto é a materialização de minhas vivências. Penduro cheiros neste varal: O cheiro de talco de minha avó; Meu pai-cheiro. Nele estão também os cabelos longos de meu irmão Que verteram poesia e sofrimento. (Quem sabe também o seu último olhar para a morte?) A flor do asfalto também está lá. O canário belga que, mesmo cego, cantava a paralítica realidade dos cativos gorjeia todas as manhãs, [neste varal. Meu primeiro caderno de poesia cheio de versos “roubados” dos poemas preferidos da infância;como todo menino travesso ele brinca de equilibrista nas cordas do varal e zomba de mim com os seus sonetos românticos. Há também um jenipapo guardado daquela manhã em que sentado no alto do jenipapeiro, aprendi de meu irmão princípios filosóficos budistas. O olhar mareado de meu pai me dizendo de seu amor mantém aquela garoinha paulistana que paira como uma saudosa névoa dos antigos invernos de São Paulo de Piratininga. Meus guardados, meus presentes!!
Roupa lavada desconhece a história. Dela tiraram as palavras, os odores, tiraram o enigma das cores. Já neste varal mágico, o que se vestiu, o que existiu, o que é e não simplesmente foi, o que está exposto é a materialização de minhas vivências. Penduro cheiros neste varal: O cheiro de talco de minha avó; Meu pai-cheiro. Nele estão também os cabelos longos de meu irmão Que verteram poesia e sofrimento. (Quem sabe também o seu último olhar para a morte?) A flor do asfalto também está lá. O canário belga que, mesmo cego, cantava a paralítica realidade dos cativos gorjeia todas as manhãs, [neste varal. Meu primeiro caderno de poesia cheio de versos “roubados” dos poemas preferidos da infância;como todo menino travesso ele brinca de equilibrista nas cordas do varal e zomba de mim com os seus sonetos românticos. Há também um jenipapo guardado daquela manhã em que sentado no alto do jenipapeiro, aprendi de meu irmão princípios filosóficos budistas. O olhar mareado de meu pai me dizendo de seu amor mantém aquela garoinha paulistana que paira como uma saudosa névoa dos antigos invernos de São Paulo de Piratininga. Meus guardados, meus presentes!!
Vó Bela
Para minha avó Isabel Teodomira Pereira Ainda te vejo terminar os dias cozendo a colcha de retalho de tua genealogia. Sabias, sim, os segredos da vida, única explicação para a transparência de teu olhar... Entendias também os sortilégios da morte. Muitos dos teus já tinhas visto partir no nefasto trilho do fim absoluto. Confesso não ter conhecido quem melhor divagasse entre magos e dragões, conhecesse os cordéis do seu povo, que, vestida de santa, ensaiasse noites inteiras os martírios do ser divino. Usaste o apoio imprevisto das estrelas que te fez poetisa. Recitando os versos de teus heróis sertanejos, embalaste o sono do pequeno ávido, e plantaste o sonho que agora luto para não se esvair.
Para minha avó Isabel Teodomira Pereira Ainda te vejo terminar os dias cozendo a colcha de retalho de tua genealogia. Sabias, sim, os segredos da vida, única explicação para a transparência de teu olhar... Entendias também os sortilégios da morte. Muitos dos teus já tinhas visto partir no nefasto trilho do fim absoluto. Confesso não ter conhecido quem melhor divagasse entre magos e dragões, conhecesse os cordéis do seu povo, que, vestida de santa, ensaiasse noites inteiras os martírios do ser divino. Usaste o apoio imprevisto das estrelas que te fez poetisa. Recitando os versos de teus heróis sertanejos, embalaste o sono do pequeno ávido, e plantaste o sonho que agora luto para não se esvair.
Preto e branco
Para Lourdes No tempo de meu eu-menino (um dentre os vários eus que se veem acumulando nessa agenda de horas incompreendidas), me perguntaram se eu achava minha mãe bonita. Eu a fitei de longe (com aqueles olhos que ficaram no ontem), e respondi, com a convicção de minha maior verdade: – Minha mãe é linda!
Para Lourdes No tempo de meu eu-menino (um dentre os vários eus que se veem acumulando nessa agenda de horas incompreendidas), me perguntaram se eu achava minha mãe bonita. Eu a fitei de longe (com aqueles olhos que ficaram no ontem), e respondi, com a convicção de minha maior verdade: – Minha mãe é linda!
Poemas do livro Sessenta meninos ■ Jorge Elias Neto
Editora Arribaçã, 2024
"Antologia do poeta Jorge Elias com poemas escritos entre os anos de 1964 e 2024. Disponível em contato com o autor (jeliasneto@gmail.com), e em breve na Editora Arribaçã.
"Antologia do poeta Jorge Elias com poemas escritos entre os anos de 1964 e 2024. Disponível em contato com o autor (jeliasneto@gmail.com), e em breve na Editora Arribaçã.