Vejo nos dias atuais uma tendência à falta de proveito de um dos sentidos da poesia.
Não creio que se tenha um caminho único a ser trilhado – pelo contrário – mas tenho observado um favorecimento da busca pura e simples da abstração, do uso “despretensioso” das palavras; como se o poeta se sujeitasse aos novos paradigmas impostos pela atual visão caleidoscópica da arte; pela trilha atribulada e veloz da globalização.
Elaboro este texto não com intuito de distanciamento desse broto tido como o mais “viçoso” (que atende mais plenamente aos apelos do mercado editorial) da poesia de nossos dias. Acredito que de tudo pode-se tirar proveito; eu mesmo tenho aprendido e apreendido muito (em todos os sentidos) com a leitura que faço dos tantos poetas que vicejam na internet e nos livros recentemente publicados.
Não sou guardião de nada, não tenho capacidade para tal, mas me sinto fortalecido por saber que muitos compactuam de igual opinião. Mas confesso que isso em muito me angustia.
Penso que nós poetas podemos explorar melhor os sulcos profundos que sabemos encontrar nas palavras. Fazer brotar os vultos do espanto, do encantamento, da indignação, é também papel do poeta. Poesia é prazer, mas pode ser muito mais.
O reconhecimento do visgo das palavras, e sua valorização, nos permitem deixar suspensa na memória do leitor nossa arte – nos permite manter viva nossa língua e nossa História.
Bem sei da secular relação que se faz entre a arte e a verdade. Mas a memória necessita ser povoada com imagens que nos remetam à terra, às questões essenciais, primevas, à metafísica do absurdo.
Existem cores básicas no mundo. Não aceito que a cor cinza, de forma dissimulada, tome o espaço do azul e do verde. Talvez esse seja o problema, muitos poetas não vislumbram o quão favorecidos são de poder criar imagens que traduzam o eterno conflito entre a consciência humana e seu em torno (desaprenderam a mistura das cores). Muitos poetas não se apercebem que estão perdendo o hábito de traduzir o caos.
É óbvio que vários conseguem, de maneira elegante, elaborar poemas que, aos iniciados, possibilitem ver toda essa contradição a que me refiro. Mas aí vejo um outro viés – o hermetismo.
Podemos imaginar – e os fatos estão aí para não nos deixar mentir – que existe uma relação de proporção inversa entre a produção poética e o número de leitores – e essa constatação é nosso álibi para meter a chave na porta de acesso a clareza de nossos poemas? Irônico não? Recordo-me aqui de Antônio Cícero quando afirma a falta de sentido de uma vanguarda nos tempos atuais.
A poesia está acima do autor.
O poeta é uma “barriga de aluguel”. Não nos preocupemos tanto com nossa imagem na fotografia. Lembremo-nos de nossa perenidade, nossa insignificância quando comparados a grandeza do Universo.
Nossa imortalidade se encerrará com nossa morte – assim penso.
No presente momento, não poderia dizer muito mais. Certamente, mais a frente, pudesse estender este desabafo. Mas não me permito esperar.
Por fim, se isto fosse somente minha opinião, poderiam me dizer: “de que serve o que pensas rapaz?”. Por isso, deixo abaixo um pequeno trecho escrito por T S Elliot que me parece oportuno para fechar esta breve provocação.
"É verdade que o sentimento religioso varia naturalmente de país para país, e de época para época, assim como o faz o sentimento poético; o sentimento varia, mesmo quando a crença, a doutrina, permanece a mesma. Mas esta é uma condição da vida humana, e é da morte que estou apreensivo. É igualmente possível que o sentimento pela poesia e os sentimentos que são o material da poesia possam desaparecer em todos os lugares: o que talvez ajude a facilitar aquela unificação do mundo que, para o bem deste, algumas pessoas consideram desejável."