O leitor já ouviu falar nesse tal questionário Proust? Não tem problema se não. Ele é um conjunto de perguntas de autoconhecimento tornado comum em fins do século XIX e era algo assim como os diários, cultivados por moços e moças, principalmente por estas, sempre sonhadoras. O célebre escritor francês Marcel Proust (1871-1922) respondeu-o quando tinha 18 anos,
mas suas respostas, então dadas a uma amiga, só se tornaram conhecidas do público em 1924. De lá para cá, aqui e acolá ele reaparece, como se fosse o cerne de uma entrevista padrão. Nos anos 1970, o nosso Antonio Carlos Villaça respondeu as questões e publicou no seu O Livro de Antonio (Livraria José Olympio Editora S.A., Rio de Janeiro, 1974). Relendo a obra por estes dias natalinos, veio-me a ideia de responder as perguntas, compartilhando-as com o leitor, como uma forma de provocá-lo a também refletir sobre as mesmas. A seguir exporei as vinte e oito indagações, com as respectivas respostas que dei, seguindo o modelo adotado por Villaça, o qual pode coincidir ou não com outros que venham a ser eventualmente encontrados.
Pergunta ▪ Para você, qual o cúmulo da miséria?
Resposta ▪ A miséria mesma, que desonra e envergonha a humanidade ao relegar milhões de pessoas à privação absoluta do mínimo necessário a uma vida digna.
P ▪ Onde gostaria de viver?
R ▪ Em cidade, nunca no campo, pois sou – descobri – essencialmente urbano. A vida rural não me apetece e me entedia. Preciso de um certo movimento humano e cultural, de restaurantes e de livrarias, por exemplo. A cidade não necessita ser uma metrópole gigantesca. Algo como João Pessoa, Petrópolis ou Garanhuns, por exemplo, já basta. Mas confesso que tem dias em que escolheria uma pequena aldeia inglesa, com menos de mil habitantes, daquelas que a gente vê nos filmes e se enternece.
P ▪ Qual o seu ideal de felicidade terrena?
R ▪ Ele é simples e básico: paz, saúde, um ofício prazeroso, razoáveis condições materiais, união familiar e alguns bons e velhos amigos. Talvez seja muito, reconheço. Mas é o que me faria feliz neste mundo. Sim, ia esquecendo: um mínimo de silêncio e recolhimento, para conservar a sanidade.
P ▪ Quais as faltas que lhe merecem a indulgência?
R ▪ Em princípio, todas. Todas as faltas humanas, grandes e pequenas. Todas as que possuo e cometo. Procuro compreendê-las – e nem sempre consigo - como frutos inevitáveis de nossas imperfeições. Mas confesso que algumas (dos outros) me tiram do sério e custo a perdoá-las.
P ▪ Quais os heróis de romance que prefere?
R ▪ Os perdedores. Cito um: o protagonista da peça A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller. Outro: Werther, do romance homônimo de Goethe. Mas admiro os vencedores que lutaram contra injustiças, preconceitos e todas as formas do mal.
P ▪ Qual a sua personalidade histórica preferida?
R ▪ Jesus Cristo, independentemente de religião. O homem que nasceu em Belém há mais de dois milênios é incomparável. Num outro patamar, cultivo uma admiração especial por Churchill e por nosso Pedro II.
P ▪ Quais suas heroínas favoritas na vida real?
R ▪ As mães. Especialmente as mais modestas e que conseguem educar e encaminhar seus filhos na vida com êxito.
P ▪ Qual seu pintor favorito?
R ▪ Lucien Freud. Mas gosto bastante dos impressionistas em geral.
P ▪ Qual seu músico favorito?
R ▪ Samuel Barber. Por conta de seu Adágio for Strings, música que gostaria de ouvir no Paraíso, se houver e se lá merecer chegar.
P ▪ Que qualidade prefere no homem?
R ▪ A gratidão.
P ▪ E na mulher?
R ▪ A gratidão.
P ▪ Qual a sua ocupação favorita?
R ▪ Ler.
P ▪ Que gostaria de ser?
R ▪ Alguém melhor do que sou.
P ▪ Qual o principal traço de seu caráter?
R ▪ Uma certa timidez e tudo que daí decorre. Por exemplo: apreciar a chuva mais que o sol.
P ▪ O que mais aprecia nos seus amigos?
R ▪ Lealdade e simplicidade. Os contadores de vantagem, os vaidosos, carreiristas e metidos a besta certamente não terão jamais a minha amizade; no máximo, meu silêncio educado.
P ▪ Qual o seu principal defeito?
R ▪ A impaciência, irmã da intolerância.
P ▪ Qual o seu sonho de felicidade?
R ▪ Não precisar cultivar nenhum sonho de felicidade.
P ▪ Qual a maior desgraça para você?
R ▪ A desonra. Existem outras, claro, mas esta, para mim, tem um peso enorme.
P ▪ Que cor prefere?
R ▪ Verde. Esta é não só insubstituível, mas necessária. Dá para imaginar o mundo sem verde?
P ▪ Que flor prefere?
R ▪ Todas. Vejo as flores, quaisquer que sejam, como um presente gratuito da natureza – ou de Deus – para enfeitar a vida dos homens.
P ▪ Que pássaro prefere?
R ▪ Todos, menos as aves de rapina, por motivos óbvios, a despeito de reconhecer sua utilidade na natureza.
P ▪ Quais seus autores prediletos em prosa?
R ▪ Todos os que conseguem dizer mais com menos palavras. Cada vez mais, tenho menos paciência com autores palavrosos e muito descritivos.
P ▪ Quais seus poetas preferidos?
R ▪ Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.
Fonte: Wikimedia
P ▪ Quais os seus heróis e heroínas na vida real?
R ▪ Os professores e os enfermeiros de vocação.
P ▪ O que mais detesta?
R ▪ A falta de caráter, síntese de todos os defeitos.
P ▪ Qual o fato militar que mais admira?
R ▪ As declarações de cessar-fogo e de paz.
P ▪ Como gostaria de morrer?
R ▪ Longevo e lúcido, tranquilamente, sem sofrimento e segurando a mão de alguém amado.
P ▪ Qual a sua divisa?
R ▪ A estas alturas, procuro, dentro do possível, adotar a divisa de Montaigne: “Só faço o que me dá alegria”. Não preciso dizer que nem sempre consigo ser fiel a ela. Aliás, pensando bem, só raramente.
Resposta ▪ A miséria mesma, que desonra e envergonha a humanidade ao relegar milhões de pessoas à privação absoluta do mínimo necessário a uma vida digna.
P ▪ Onde gostaria de viver?
R ▪ Em cidade, nunca no campo, pois sou – descobri – essencialmente urbano. A vida rural não me apetece e me entedia. Preciso de um certo movimento humano e cultural, de restaurantes e de livrarias, por exemplo. A cidade não necessita ser uma metrópole gigantesca. Algo como João Pessoa, Petrópolis ou Garanhuns, por exemplo, já basta. Mas confesso que tem dias em que escolheria uma pequena aldeia inglesa, com menos de mil habitantes, daquelas que a gente vê nos filmes e se enternece.
P ▪ Qual o seu ideal de felicidade terrena?
R ▪ Ele é simples e básico: paz, saúde, um ofício prazeroso, razoáveis condições materiais, união familiar e alguns bons e velhos amigos. Talvez seja muito, reconheço. Mas é o que me faria feliz neste mundo. Sim, ia esquecendo: um mínimo de silêncio e recolhimento, para conservar a sanidade.
P ▪ Quais as faltas que lhe merecem a indulgência?
R ▪ Em princípio, todas. Todas as faltas humanas, grandes e pequenas. Todas as que possuo e cometo. Procuro compreendê-las – e nem sempre consigo - como frutos inevitáveis de nossas imperfeições. Mas confesso que algumas (dos outros) me tiram do sério e custo a perdoá-las.
P ▪ Quais os heróis de romance que prefere?
R ▪ Os perdedores. Cito um: o protagonista da peça A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller. Outro: Werther, do romance homônimo de Goethe. Mas admiro os vencedores que lutaram contra injustiças, preconceitos e todas as formas do mal.
P ▪ Qual a sua personalidade histórica preferida?
R ▪ Jesus Cristo, independentemente de religião. O homem que nasceu em Belém há mais de dois milênios é incomparável. Num outro patamar, cultivo uma admiração especial por Churchill e por nosso Pedro II.
P ▪ Quais suas heroínas favoritas na vida real?
R ▪ As mães. Especialmente as mais modestas e que conseguem educar e encaminhar seus filhos na vida com êxito.
P ▪ Qual seu pintor favorito?
R ▪ Lucien Freud. Mas gosto bastante dos impressionistas em geral.
P ▪ Qual seu músico favorito?
P ▪ Que qualidade prefere no homem?
R ▪ A gratidão.
P ▪ E na mulher?
R ▪ A gratidão.
P ▪ Qual a sua ocupação favorita?
R ▪ Ler.
P ▪ Que gostaria de ser?
R ▪ Alguém melhor do que sou.
P ▪ Qual o principal traço de seu caráter?
R ▪ Uma certa timidez e tudo que daí decorre. Por exemplo: apreciar a chuva mais que o sol.
P ▪ O que mais aprecia nos seus amigos?
R ▪ Lealdade e simplicidade. Os contadores de vantagem, os vaidosos, carreiristas e metidos a besta certamente não terão jamais a minha amizade; no máximo, meu silêncio educado.
P ▪ Qual o seu principal defeito?
R ▪ A impaciência, irmã da intolerância.
P ▪ Qual o seu sonho de felicidade?
R ▪ Não precisar cultivar nenhum sonho de felicidade.
P ▪ Qual a maior desgraça para você?
R ▪ A desonra. Existem outras, claro, mas esta, para mim, tem um peso enorme.
P ▪ Que cor prefere?
R ▪ Verde. Esta é não só insubstituível, mas necessária. Dá para imaginar o mundo sem verde?
P ▪ Que flor prefere?
R ▪ Todas. Vejo as flores, quaisquer que sejam, como um presente gratuito da natureza – ou de Deus – para enfeitar a vida dos homens.
P ▪ Que pássaro prefere?
R ▪ Todos, menos as aves de rapina, por motivos óbvios, a despeito de reconhecer sua utilidade na natureza.
P ▪ Quais seus autores prediletos em prosa?
R ▪ Todos os que conseguem dizer mais com menos palavras. Cada vez mais, tenho menos paciência com autores palavrosos e muito descritivos.
P ▪ Quais seus poetas preferidos?
R ▪ Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.
Carlos Drummond
R ▪ Os professores e os enfermeiros de vocação.
P ▪ O que mais detesta?
R ▪ A falta de caráter, síntese de todos os defeitos.
P ▪ Qual o fato militar que mais admira?
R ▪ As declarações de cessar-fogo e de paz.
P ▪ Como gostaria de morrer?
R ▪ Longevo e lúcido, tranquilamente, sem sofrimento e segurando a mão de alguém amado.
P ▪ Qual a sua divisa?
R ▪ A estas alturas, procuro, dentro do possível, adotar a divisa de Montaigne: “Só faço o que me dá alegria”. Não preciso dizer que nem sempre consigo ser fiel a ela. Aliás, pensando bem, só raramente.
Eis aí, leitor, as perguntas e as respostas. Algumas mais densas, outras mais rasas. Permita-me sugerir aplicar a si mesmo o questionário de Proust. Se não for útil para mais nada, servirá ao menos para uma pequena meditação, uma mínima pausa nestes dias tão frementes de mudança de ano.
Feliz 2024 para você e obrigado por suas leituras, curtidas e comentários em 2023. Obrigado também a Germano, Davi e todos do Ambiente de Leitura Carlos Romero.