Quem já não ouviu falar de Zé Limeira, o poeta popular, o repentista espantoso e divertido nascido em fins do Século 19? Foi descrito ...

O Poeta do Absurdo

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Quem já não ouviu falar de Zé Limeira, o poeta popular, o repentista espantoso e divertido nascido em fins do Século 19? Foi descrito pelos que o conheceram como um tipo excêntrico, um sujeito capaz de botar na chinela muito astro do rock moderno. Conta-se que andava em trajes berrantes, com os dedos cheios de anéis, óculos escuros, lenço para lá de colorido e bengala de aroeira.

Nasceu na zona rural de Teixeira, sertão da Paraíba, em 1886, despedindo-se desse mundão de Deus à véspera do Natal de 1954. É mais conhecido pelo livro do jornalista, poeta e escritor Orlando Tejo: “Zé Limeira, Poeta do Absurdo”.

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Orlando Tejo (1935—2018)
Há quem diga que Tejo, natural de Campina Grande, fez de Zé Limeira a figura lendária que hoje é. Perguntem isso ao também campinense Bráulio Tavares, escritor, compositor, poeta, dramaturgo e outras coisas mais. E, se quiserem, recorram, via Youtube, ao documentário feito para a TV Senado por Maurício Melo Junior, do qual o mesmo Tejo é o grande mote.

Negro, perto dos dois metros de altura e dono de voz poderosa, Zé Limeira também chamava a atenção pelos versos sem sentido, sem pé nem cabeça, notadamente, ao descrever passagens bíblicas, ou personagens da história. Interessava-se pela rima e não pelo verso bem posto, até por desconhecer, analfabeto que era,
as figuras e os episódios sobre os quais tratava. O “non sense”, então, seria um artifício para enfrentar nos desafios da cantoria oponentes mais cultos e de melhor modo preparados.

Foi assim, ao que li, a peleja por ele travada com o também famoso Anastácio Mendes Dantas, num desses terreiros do Sertão. Ambos receberam o mote de alguém na plateia: “Vou fazer serenata na calçada/da menina que amei na minha vida”. Para quem disso não saiba, tais apresentações exigem versos criados em segundos, com métrica e ritmo ditados pela viola. Atrasar o compasso em busca de uma frase, ou de uma rima, é pecado mortal. Saber da complexidade desse desafio é perceber a dimensão de uma graça divina.

Não foi por acaso que o improviso assim concebido tornou-se uma das mais espantosas e envolventes manifestações culturais do Nordeste. Falamos de um dom conferido aos poetas populares para o agrado de um povo acostumado a situações extremas, a tirar leite de pedra, a ver beleza nas coisas simples, no ocaso e na aurora, no xiquexique e no roçado verde, quando os santos assim querem. Os repentistas e os motes que lhes são dados não poderiam, por conseguinte, ter outro berço que não fossem seus sítios e pés de serra.

Anastácio começou: “Venho amando do tempo da infância/uma linda menina que ainda prezo/ainda quase maluco eu não desprezo/sua imagem e sua rutilância./Desprezá-la seria ignorância,/minha deusa bonita e preferida/que por Deus para mim foi escolhida/minha estrela brilhante e consagrada./Vou fazer serenata na calçada/da menina que amei na minha vida”.

E, em absoluto contraponto, veio Zé Limeira: “Quando a guerra zuou dentro da França/eu ouvi os estrondos do Sertão./Gosto de fava e de feijão./A muié que eu quiri tinha uma trança./Japonês e alemão entrou na dança,/na estrada do Brejo tão comprida./É pecado matar vaca parida./A Alemanha da China tá tomada./Vou fazer serenata na calçada/da menina que amei na minha vida”. O Poeta do Absurdo fazia jus à expressão, enquanto a assistência aplaudia, às gargalhadas, seu desatino.

Diz-se que a insuficiência de versos originais fez Orlando Tejo inventar alguns e recorrer a cantadores contemporâneos para aquisição de sextilhas, martelos agalopados e outras modalidades do repente sertanejo em volume necessário à composição do seu livro. Seja como for, o mito eternizou-se.

Por questão inerente ao decoro, nem tudo o que Zé Limeira improvisou (ou a ele foi atribuído) é publicável em rede social ou em portais de notícias e crônicas. Eis, então, algumas coisas mais leves. Deram-lhe o mote “Canta, canta, cantador/que teu destino é cantar” e ele tascaria:

No tempo do Padre Eterno Getúlio já governava Plantava feijão e fava Quando tinha bom inverno Naquele tempo moderno São João viajou pra cá, Dom Pedro correu pra lá Escanchado num tratô… Canta, canta, cantadô Que teu destino é cantá.

Outras rimas:

Quando Jesus veio ao mundo Foi só pra fazê justiça Com treze ano de idade Discutiu com a doutoriça, Com trinta ano depois, Sentou praça na puliça Eu me chamo Zé Limeira Da Paraíba falada, Cantando nas Escritura, Saudando o pai da coalhada A lua branca alumia Jesus, José e Maria Três anjos na farinhada
Tejo relata que Zé Limeira baixou num encontro de repentista patrocinado pelo então governador de Pernambuco Agamenon Magalhães. Sem se fazer de rogado, dedicou esses versos à Primeira Dama do Estado.

Eu cantando pra Dona Antonieta A muié do Doutor Agamenon Fico como o Reis Magro do Sion Me coçando na mesma tabuleta. Eu aqui vou rasgando a caderneta De Otacílio Batista Patriota. Doutor, como eu não tenho um brinde em nota Que possa oferecer à sua esposa Dou-lhe um quilo de merda de raposa Numa casca de cana piojota.

E, ainda, numa cantoria, no transcurso da Segunda Guerra Mundial:

O meu nome é Limeira Limeira, Lima e Limança Cabra só bota bodega Se comprar uma balança. Valei-me Nossa Senhora Tão bombardeando a França.
Outros mais:

Um dia o Rei Salamão Dormiu de noite e de dia Convidou Napoleão Pra cantá pilogamia Viva a Princesa Isabé, Que já morô em Sapé No tempo da monarquia
O marechá Floriano Antes de entrá pra Marinha Perdeu tudo quanto tinha Numa aposta cum cigano Foi vaqueiro vinte ano Fora os dez que foi sargento Nunca saiu do convento Nem pra lavá a corveta Pimenta só malagueta Diz o Velho Testamento Quando Dom Pedro Segundo Governava a Palestina E dona Leopoldina Devia a Deus e o mundo O poeta Zé Raimundo Começou castrá jumento Teve um dia um pensamento Tudo aquilo era boato Oito nove fora quatro Diz o novo testamento Zé Limeira quando canta Estremece o cariri As estrela trinca os dente Leão chupa abacaxi Com trinta dias depois Estôra a guerra civi Ninguém faça pontaria Onde o chumbo não alcança Eu vou comprá quatro livro Para estuda leiturança Bem que meu pai dizia José, Jesus e Maria São João das oreias mansa
E, para terminar:

Eu já cantei no Recife Dentro do Pronto Socorro Ganhei quinhentos mil réis Comprei quinhentos cachorro Ano passado morri Mas esse ano não morro.

Isso mesmo. Seriam de Zé Limeira estes últimos versos, não de Belchior (autor da música Sujeito de Sorte) nem do paulistano Emicida, usuário dessa esquisitice em AmarElo, álbum que fez um sucesso danado. Se o Poeta do Absurdo, realmente, não os compôs, isso foi coisa de um daqueles que ajudaram a compor o mito. Apostas entre Otacílio Batista e o próprio Tejo. Quem arrisca?

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  1. Anônimo1/2/24 22:49

    Alguns dizem que Zé limeira nunca existiu.foi uma invenção de Otacílio batista.outro dia vi uma reportagem da filha de orlando Tejo que sinaliza,não dar certeza que teria sido uma invenção de seu pai.a dúvida continua.o que se sabe e que ninguém nunca veio pessoalmente Zé limeira

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