A cidade, vamos chamá-la pela fictícia denominação de Nazaré do Espírito Santo e que ficaria nessas brenhas de mundo esquecidas de Deus. Umas cinco mil almas, não mais que isso, viviam naquele grotão, um vale entre algumas elevações montanhosas com Igrejas, a Católica e a Universal, uma escola de Ensino Fundamental, um posto de polícia e nada mais relevante para aqui se registrar.
Disse linhas atrás que esses cafundós do mundo são esquecidos até de Deus. Deixei de mencionar, menos em época de eleição. Foi o que aconteceu num agosto de ano eleitoral, quando Mané Dias, candidato a deputado estadual, chegou a Nazaré com sua comitiva: carro de som, sanfoneiro e dois ou três baba-ovos que sempre estão grudados naquelas partes do candidato.
O prefeito, sujeito simplório, mas desconfiado que só, recebeu Mané Dias e sua comitiva. Instantinho depois a praça estava apinhada de gente. Era dia de feira e o que não faltou foi gente para ouvir o que o “homi” do governo tinha a dizer.
Depois do sanfoneiro encerrar seus dó-ré-mis, Mané Dias começou a sua fala no palanque improvisado.
— Meu caro Tiãozinho (esse era o nome do prefeito), venho aqui mostrar o quanto o governador está preocupado com Nazaré. Estou presente como representante dele. E daqui mesmo quero contar a ele os problemas de vocês. Sei que vai resolver tudo logo depois das eleições para o povo de Nazaré saber que nosso governador é gente de palavra, não é caba safado.
A multidão em silêncio, admirada com tanta segurança que via naquele “homi do governo”. E Mané Dias continuou a falação.
— Meu caro prefeito, conte de suas necessidades, da precisão do povo de Nazaré.
— Nóis aqui tá cum dois pobrema – comunicou Tiãozinho, nosso ansioso alcaide.
— Então diga qual é o primeiro problema. Vamos resolver um de cada vez.
— Um pobrema é que aqui nóis num tem posto de saúde. Quando alguém adoece vai buscar cura cinco léguas daqui.
Então Mané Dias pegou o celular, e ligou para o governador, com aquela pose de quem está tendo a atenção de alguém acima na hierarquia e iniciou a “conversa” com Sua Excelência.
— Bom dia governador, como prometi ao senhor, estou aqui em Nazaré do Espírito Santo.
Deu um tempinho para o governador se situar. E continuou.
— Sim, sim. Fomos muito bem recebidos. Gente simpática e trabalhadora que merece nossa atenção.
Mais um tempinho.
— Pois é, Doutor, estou aqui ao lado do prefeito e quero ouvir as demandas dele. Estou dando a palavra de vamos resolver essas pendências.
O povo e olhos arregalados, todos admirados pelo rumo que a conversa ia tomando. Mané Dias continuou com a embromação.
— A primeira necessidade de Nazaré é o posto de saúde. O quê? Verdade? Que bela notícia, vou passar para essa novidade ao prefeito e aos nossos eleitores que estão conosco nessa manhã festiva.
Olhou para o prefeito, para “seus” eleitores amontoados na praça e deu o recado do chefe. Já via a reeleição como favas contadas.
— O governador garantiu que em primeiro de janeiro do próximo ano começa a construção do posto e vai abrir concurso para não faltar médico nem enfermeiro no Posto de Saúde de Nazaré do Espírito Santo. E mais, o posto irá se chamar: Posto de Saúde Sebastião Gomes Andrade e Silva em homenagem ao meu amigo Tiãozinho o nosso laborioso e batalhador prefeito da nossa Nazaré do Espírito Santo.
Mané Dias pensou no aplauso, mas nada. Silêncio total. Ninguém tirava o olho dele e muito menos arredava o pé da praça. Nosso embusteiro continuou.
— Meu caro, Tiãozinho. Vamos deixar amarrado nosso compromisso. Vamos dar uma festança na inauguração do posto de saúde. Pode esperar e tudo por conta do governo. O povo de Nazaré merece. Agora vamos ao segundo problema. Vamos resolver esse também. É só me dizer que ligo novamente para o governador.
O povo só ali na espreita, em silêncio. Só então Tiãozinho revelou qual era o segundo “pobrema”.
— O outro pobrema que nóis tem, é que aqui não pega celular.