A última vez que me deparei com Monsenhor Pedro Anísio foi na Igreja de Lourdes, ali nas Trincheiras. Velhinho, abençoando no vazio, na...

Monsenhor Pedro Anísio

joao pessoa antiga
A última vez que me deparei com Monsenhor Pedro Anísio foi na Igreja de Lourdes, ali nas Trincheiras. Velhinho, abençoando no vazio, na tarde quente, os diversos recintos. Balbuciava orações, traçando o sinal da cruz como que a exorcizar. Exorcizar o invisível. O crucifixo grande, Jesus paralisado na imagem de sofrimento: contemplando a pintura ensanguentada, em cada detalhe, silencioso, ele talvez estivesse em exercício penitencial; dobrava o corpo combalido, os joelhos atravancados pela artrose,
Casarão da Av. João Machado, 108, onde residiu o Monsenhor Pedro Anísio.
olhando compungido a cena do Calvário.

Fiquei observando seus gestos, os passinhos arrastados e miúdos. O encontro naquele templo foi casual. O velho sacerdote, que morava na rua João Machado, se debruçava à janela, querendo uma palavra amiga, uma cordialidade de aceno, uma saudação. Mas os poucos passantes da calçada o viam, apenas, como um decrépito homem de Deus.

Sim, a longevidade lhe trouxera o descolamento de antigas gerações. Mas eu, enquanto o observava na cena da capela do Cristo Crucificado, embora notasse a sua decrepitude, enxergava nele a aura de quem fora um dos grandes oradores sacros e autor de várias obras, inclusive traduzidas no exterior.

Monsenhor Pedro Anísio
Um pensador, filósofo, teólogo exponencial, conseguira, em seu tempo, transpor e explicar, em estilo erudito e, a igual tempo, de fácil absorção pelo leitor não muito afeito aos assuntos, a essência de conhecimento que ele deixava desabrochar nos escritos. E ressoar nas prédicas: falava do alto do púlpito sobre a verdade abraçada por ele, deixando marcas de pulsação naqueles que o escutavam; vertia, através do sermão, a fé que brotava vívida, forte, convicta.

Remexendo os livros, encontrei “A IGREJA – Reino de Deus na Terra” publicado nas gráficas de “A Imprensa” (jornal da Arquidiocese), que funcionava onde se estabelece, hoje, o Casarão 34, na Praça Dom Adauto. Fui tomado pela emoção: folheei o volume pegajoso pelo tempo, amarelecido, cravados os textos no linótipo; sentei-me e me centrei em capítulos, depois não resisti a uma releitura. Excepcional a grandeza de argumentação com citações de grandes autoridades no assunto.

Casarão 34, Praça Dom Adauto
Enquanto me fixava no livro, a par disso, me vieram as lembranças que me ligavam ao saudoso monsenhor Pedro Anísio. Ele me batizou, com ele me confessei, e recebi a Primeira Comunhão de suas mãos ungidas. Se eu me identificasse, naquela tarde do último encontro, ele, decerto, não me reconheceria. Os pingos d'água salgada da pia batismal escorriam por minha face.

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