"Embora a neve de Yoshino esteja amontoada em seu caminho, não duvide que onde seu coração está, seus passos seguirão sua rota”....

Líquidos poemas de amor

"Embora a neve de Yoshino esteja amontoada em seu caminho, não duvide que onde seu coração está, seus passos seguirão sua rota”.
Lady Murasaki

Caía uma chuva fininha quando atravessei o portal do santuário onde viveu Lady Murasaki, em Kyoto. Permaneci ali, sem me mover, olhando as árvores, o jardim e as gotas que pareciam cair lentamente, como num sonho.

Lady MurasakiPD
Uma emoção mansa me tomou: eu estava na casa em que a lendária dama da corte imperial japonesa há mil anos desafiou as convenções e escreveu o Genji Monogatari, o primeiro romance literário do nosso mundo.

O que se sente ao pôr os pés no território sagrado dos sonhos realizados? Parece casamento de raposa: sol e chuva, lágrimas e doce alegria.

Minutos antes eu caminhara sozinha pelos jardins do palácio imperial de Kyoto. Trazia um coração partido e a decisão de parar de escrever. Mas veio o vento e depositou folhas em forma de estrelas vermelhas na sombrinha. Havia uma tal beleza que eu me senti abençoada. Meu ciclo de vida se cumpria. Plenitude e bem-aventurança ao alcance do corpo.

Era muito cedo, mas eu e alguns japoneses idosos estávamos imersos naquela beleza.

ImagensSonia Zaghetto
Lentamente entrei na casa de Lady Murasaki. Hoje é um templo budista. Um bordo japonês debruçava-se sobre a entrada. No quintal, vi flores recolhidas pelo inverno e ervas aromáticas adormecidas à espera da primavera.

O templo se abria para um jardim zen. Havia um perfume de silêncio, uma doçura de incenso. Ali Lady Murasaki refletiu sobre as paixões e os caminhos tortuosos da vida humana.

Lady MurasakiS. Harunobu, S.XVIII
Naquele instante eu soube que faria este texto inspirada pelas palavras da Dama:

“A arte de escrever é fruto da experiência do contador de histórias com os homens e as coisas. Experiências nos movem para uma emoção tão apaixonada que não se consegue mais mantê-la trancada no coração”.

A paz enfeitou de flores o meu mundo. Sentei na varanda, fechei os olhos e chorei. E pelo meu rosto deslizaram, suavemente, líquidos poemas de amor.
Leia o texto completo em soniazaghetto.com

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