O Espiritismo, particularmente, tem uma presença muito forte na nossa vida, na nossa família. Desde meu avô, que presidiu a Federação...

Entre dois mundos

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O Espiritismo, particularmente, tem uma presença muito forte na nossa vida, na nossa família. Desde meu avô, que presidiu a Federação Espírita Paraíba por 44 anos consecutivos (uma vida!), e depois com meu pai, que se tornou espírita muito cedo.

Eis que, kardecista convicto, apaixona-se por uma garota católica, filha de uma recatada viúva, apostólica romana, típica devota que vai à missa e comunga todas as manhãs a hóstia consagrada.

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Fabio Fabbi
O rebu se instalou com a notícia. A menina namorando um moreno familiarizado com as “coisas do lado de lá”. Será que ele gosta de macumba? Por pura ignorância, as pessoas às vezes confundem tudo. Umbanda, Kimbanda, Candomblé, Magia Negra, para elas é tudo coisa ruim, tudo igual. Nem o Espiritismo, doutrina nascida há pouco mais de cem anos em Paris, a partir das experiências mediúnicas do educador Allan Kardec, escapa do preconceito.

Mas a viúva não queria saber de nada que não fosse abençoado por sua Igreja. E foi tomada de um imenso receio ao se ver obrigada a entregar a mão de sua linda filha aos “espíritos do mal”. Logo ela, tão recatada, que falava francês e tocava suaves noturnos de Chopin, no piano da sala...

Eis que então se estabeleceu o veredicto como condição “sine qua non” para a realização do casamento: o espírita haveria de se batizar na Igreja Católica, uma vez que, mesmo aos 30 anos, ainda era “pagão”.

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Osman Hamdy Bey
Ponham-se no seu lugar e imaginem o tamanho do conflito. Homem esclarecido, certo de suas convicções, Juiz de Direito, jornalista antenado desde a juventude, se deparar com tal dilema, íntimo e público.

Venceu o amor, e sua testa foi molhada pela água benta da pia batismal, em uma das mais insólitas manhãs de sua vida. Ainda bem que a água não lavou sua fé na vida após a morte e na comunicação entre os espíritos de lá e de cá. E tudo ficou devida e aparentemente resolvido. A sogra, enfim, satisfeita com sua vitória, abençoou o genro que já não tinha mais pecados.

Entretanto, nas surpresas dos destinos, estava-lhe reservada a amargura da viuvez precoce. E sua amada pianista deu-lhe adeus antes do tempo, deixando uma imensa saudade. Saudade que só foi amenizada em algumas posteriores sessões espíritas, em que sua querida lhe dava notícias com detalhes de irrefutável veracidade.

Sabendo disso, a sua sogra, que estava ainda mais católica, e a quem ele visitava frequentemente, chamou-lhe um dia num canto. E em furtivo sussurro, perguntou-lhe ao pé do ouvido: “e então, ela tem dado notícias?”

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Tiziano Vecellio
Evidentemente que todos nós nos deliciamos com aquela “atração” pelas verdades mediúnicas irrefutáveis. Afinal, o próprio Evangelho está cheio de passagens e narrativas que descrevem episódios de comunicação entre os dois mundos. Jesus falava e expulsava espíritos perturbadores, conversou com Moisés e Elias no monte Tabor, revelou que João Batista era a reencarnação de Elias, além de outros fenômenos mediúnicos como o chamado Pentecostes, em que as tais “línguas de fogo” trouxeram aos presentes o poder momentâneo de se exprimir em vários idiomas, nunca dantes falados. E os incrédulos chegaram a pensar que eles estavam bêbados ou loucos, ora vejam só…

A verdade é que, depois, tivemos, mesmo, notícias de lá. Que até hoje soam como música nas doces lembranças. E, após três anos, celebramos a chegada de outro anjo que veio preencher a vida do cronista, uma delicada violinista que se tornou nossa boadrasta, Alaurinda. Felizmente, culta e sintonizada com o mundo holístico, ela logo se afinou com a doutrina espírita, que, no ano passado, completou apenas 160 anos e, a cada dia, conquista mais adeptos e simpatizantes.

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FEB
Certa vez, já estudiosa do Espiritismo e convicta da imortalidade do espírito, ela perguntou a papai como seria quando se encontrasse com Carmen, sua primeira esposa, lá do outro lado? Ele que tem bom humor para tudo, disse logo: “Lau, eu já tive tantas esposas. Você vai encontrar com todas”.

Só faltou dizer que não será um grande harém, com 72 virgens, como prometido no Alcorão. Afinal, ele é espírita…

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  1. José Mário Espínola2/1/24 21:47

    Deliciosa crônica, tornando o Além mais simpático e aceitável.
    Muito bom, Germano!

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    1. Obrigado, amigo ZM! Que Ilma não fique enciumada com esta ideia - hehehe

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  2. Anônimo5/1/24 19:15

    Texto impecável e tentador, especialmente pela sedução com as palavras desempenham, espirituosamente, seu mister. Mas, sou fã, e, portanto, suspeito.

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  3. Hélder Moura5/1/24 19:16

    Nem tão anônimo.

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    1. Obrigado, meu amigo poeta! Fã de dupla via, viu?

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