As grandes datas têm sobretudo um valor simbólico. É o caso do Ano-Novo, que em essência não muda nada mas nos dá a impres...

Ano-Novo e reconciliação

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As grandes datas têm sobretudo um valor simbólico. É o caso do Ano-Novo, que em essência não muda nada mas nos dá a impressão de que alguma coisa recomeça.

Todo ano a mais é um sinal de envelhecimento, mas insistimos em pensar que um novo tempo nasce à medida que outro morre. Em vez de sucessão, renovação. Na ingênua alegoria do nosso desejo, o Ano-Novo aparece como um bebê rechonchudo e risonho que vem substituir um velhinho magro e decrépito.

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Michael M
Ambos são imagens de nós mesmos. A segunda corresponde ao nosso eu real; a primeira, à fantasia com que julgamos renascer melhores, sem os velhos vícios e defeitos. A cada ano se renova o ciclo, com promessas que não são cumpridas e projetos que jamais viram realidade.

Precisamos dessas transições pomposas para nelas enquadrar nossos propósitos de mudança. Qual a graça em se deixar de fumar num dia qualquer? Faz mais efeito pensar que o abandono do cigarro vai ocorrer em um ano que se inicia. E que a partir do Ano-Novo nos transmutaremos num “novo homem”.

Assim como uns vão deixar o cigarro, outros prometem estudar com afinco para concursos. Ou mudar de profissão. Ou pedir finalmente a namorada em casamento. Mesmo que nada disso seja feito, este é o momento de sonhar “a sério” com a possibilidade.

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Pxl
As disposições mais comuns dizem respeito aos hábitos e ao caráter. Quem não promete a partir de agora se tornar mais generoso, humilde, disciplinado? Quem não vai moderar o egoísmo e desenvolver o senso de solidariedade? Quem não se tornará no próximo ano um ser humano melhor?

Para isso existe a data, e não adianta reagir com cinismo a tão sinceras deliberações. É preciso que vez por outra uma imagem ideal de nós mesmos ocupe o lugar do que somos. Essa ilusão de aperfeiçoamento e mudança nos anima a enfrentar o ano que vem. E, sobretudo, reconcilia-nos provisoriamente com nós mesmos.

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