Meu amigo, bom dia!
Ontem, você me enviou um vídeo sobre os corpos celestes, de modo que pudéssemos, entre eles, situar a Terra e ver o seu tamanho, relacionando-a com os demais planetas, satélites, asteroides, nebulosas e galáxias. Lembrei-me do que dizia sempre, em sala de aula, sobre a relação entre a grandeza do universo e a do nosso planeta. A estrela mais próxima da Terra é Alpha Centauri, também conhecida como Rigil Kentaurus, encontrando-se à distância de 4,37 anos-luz.
Da Terra, podemos ver Alpha Centauri e o Sol. De Alpha Centauri, talvez possamos ver o Sol, mas não a Terra. Se formos para Sirius, a vedete do universo a olho nu, distante 8,57 anos-luz, talvez ainda vejamos um brilho do Sol e de Alpha Centauri, a Terra, por sua vez, já estaria desaparecida da visão, e ainda nem estamos falando de uma estrela como Antares de Escorpião (883 vezes maior que o sol e a 550 anos-luz) ou de Betelgeuse, da Constelação de Órion (887 vezes maior que o sol e a 643 anos-luz de distância), todas vistas a olho nu. De Antares, por exemplo, o Sol é apenas um ponto. E não nos fomos às estrelas mais distantes, pois nem saímos da nossa Galáxia, uma entre bilhões existentes, cada uma com bilhões de estrelas, de que o Sol, coitado, nem é das maiores ou das mais brilhantes.
Sempre penso, meu amigo, em como somos tentados a exibir uma grandeza que não temos, impelidos pela vaidade e por uma necessidade mórbida de ser melhor que o outro. Quanta fatuidade! Quanta falta de maturidade! Como somos tolos, deixando-nos levar pelas aparências! E o vídeo nos mostra isso com uma didática irretorquível.
Some-se a isto, meu amigo o nosso ódio à verdade. O ser humano diz não gostar de mentiras, mas a maioria mente o tempo todo, por conveniência ou por maldade. Mais do que isso: adora ser enganado, adorando também os enganadores. Por que odiamos a verdade? Porque ela nos fere, fere o nosso orgulho, fere a nossa vaidade. Fere o nosso orgulho de querermos nos impor como melhores do que as demais pessoas. Odiamos a verdade, porque ela nos desmascara e não permite a manipulação, a distorção dos fatos, o encobrimento do que é certo. É mais conveniente nos acomodarmos a uma mentira bem contada do que enfrentarmos a verdade dos fatos e vermos ruir o castelo das ilusões.
E quanto maior destaque a figura tem no meio social, mas ela se agarra à aparência, à mentira que lhe garante a posição e, claro, o poder. Lembrei-me de um mito grego que pode ser usado como alegoria do que estou dizendo a você, meu bom amigo. Zeus e Hera discutiam sobre o prazer. Zeus alegava que a mulher sentia mais prazer do que o homem no ato sexual; Hera afirmava o contrário. Como não chegavam a uma conclusão, chamaram o tebano Tirésias, que havia passado sete anos com mulher e retornado à condição masculina. Ele seria a pessoa mais indicada para resolver a questão. Ao ser indagado, Tirésias, na inocência dos puros, afirmou que a mulher fruía dez vezes mais que o homem o prazer sexual. Hera, sentindo que a descoberta a fragilizava aos olhos de Zeus, cegou Tirésias. O que um deus faz o outro não pode desfazer, Zeus, no entanto, compensou Tirésias com o dom da manteia (μαντεία), a arte divinatória.
O grande problema, Germano, é quando dizemos a Verdade e somos vingativamente perseguidos por quem se sentiu desmascarado, sem que haja qualquer possibilidade de compensação a nosso favor; quando se invertem as proposições e o certo passa a ser errado, tanto quanto o errado passa a ser o certo. Não durará muito tempo, meu amigo, para que as verdades astronômicas, que desmascaram a aparência, passem a ser relativizadas em prol de outras verdades mais convenientes. A biologia já vem sofrendo com isso, como você sabe.
Só para ratificar o vídeo, que me reavivou a memória de nossa pequenez, em todos os sentidos, transcreverei abaixo, meu querido amigo, um trecho que antecipa a ilustração didática, que você me enviou:
"Nossa mãe, a Terra, se reduz então ao valor de uma minúscula ‘poeira de sol’, igual aos incalculáveis milhões de outras poeiras que se perseguem no espaço infinito: Nosso próprio Ser humano que, no seu delírio de grandeza antropística se adora como a imagem de Deus, recai à classe de mamífero placentário, que não tem mais valor, para o Universo inteiro, que a formiga ou o efêmero, que o infusório microscópico ou o mais ínfimo bacilo. Nós outros, os homens, nós não somos senão estágios de evolução passageiros de eterna substância, formas fenomenais individuais de matéria e de energia, cujo nada compreendemos, quando nos postamos a olhar o espaço infinito e o tempo eterno.”
Parece Carl Sagan, ao dizer que a Terra é apenas um pálido ponto azul, no espaço. Mas não é. Trata-se de Ernst Haeckel, no seu maravilhoso livro Os enigmas do universo (1899, Capítulo XIII, História do desenvolvimento do universo, p. 280, em tradução nossa do Francês, edição de 1902), mostrando-nos a nossa pequenez, colocando-nos no lugar que merecemos, não para nos diminuir, mas para que tenhamos consciência de que não somos nada sem a Verdade e só ela pode nos conduzir à evolução que tanto desejamos.
Um grande abraço, meu querido amigo.
Milton