Para Luísa
Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
(Dolores Duran)
Hoje eu quero paz de criança dormindo
E abandono de flores se abrindo
(Dolores Duran)
Final de ano, fico triste com as retrospectivas, principalmente com a lista enorrrrrme dos mortos – anônimos e famosos. Passa a vida na cabeça, os dias, e o tempo que resta. Sim, estou na fase das jabuticabas de que falou Rubem Alves, a conta é decrescente. Mas não penso nisso. A vida é hoje, mas a tristeza é real. Ainda mais que fico sabendo da morte do amigo de infância, Alexandre Carneiro, meu par nas quadrilhas juninas do final dos anos 60, e depois amigo das noitadas e turma de que já falei aqui semana passada. Tudo urgente.
Pois que, entre essa melancolia “dezembrina”, a minha neta Luísa, veio dormir a primeira vez com a avó. Luísa tem quatro aninhos, mas durante esse tempo, teve uma pandemia e duas cirurgias dessa avó que andou sem energia para tais aventuras. Sim, uma aventura para ela que, chegou aqui de mochila e uma sacola imensa com seus bichos de pelúcia: unicórnio, macaco, gato, tatu bola, coelho e tanto mais. Não é à toa que, de manhã, me disse ter sonhado comigo no zoológico.
Achei aquela chegada tão bonitinha. Ela é lépida e faceira, adora o meu canto e mais ainda o meu quarto que, desde sempre, ama a minha camona Queen. Aliás, um talento que tenho. Na minha antiga casa e vida, os meus filhos também adoravam perambular pelo quarto dos pais, e Juca o chamava de Parque de Diversões, pois lá tinha TV e computador – o nosso primeiro há mais de vinte anos. E historinhas de ninar e alisadinhos – massagem privada nas costas de quem estivesse precisando. E sempre estávamos.
Não sou uma avó ativa. Já com as dores das lombares da vida, me reservo às brincadeiras mais quietas. Mas Luísa foi logo avisando: vamos brincar um pouco né vó, e depois dormir. Emocionava a sua alegria, o corre-corre pelo apartamento, marcando a data com os seus pezinhos e contentamento. Apesar de frequentar o lugar, era a primeira vez que vinha sozinha e me dizia com orgulho: “vim, sem meu pai nem minha mãe”. Um ritual. Uma conquista. Sabemos como é a primeira noite de alguma coisa. E essa de dormir longe dos pais, um aprendizado. Conheci amigos dos meus filhos que nunca dormiram em casa alheia. Não sabem o que perdiam. Eu bandoleira que sempre fui, desde os 6 anos que dormia nas primas, nas colegas, em todo canto. E os meus filhos, logo cedo repetiam a sina.
Depois, contamos história, caducamos com os bichos, um lanchinho – ela já havia pedido pãozinho com queijo do reino, que ama. Depois, subiu no banquinho para escovar os dentes feliz da vida, com a escova nova que vovó comprou e foi logo elogiando a pasta: “Que pasta fofinha!”; tudo isso porque é cor de rosa. Sim, amo rosa e rosa choque, e tenho esse costume de comprar coisas fúcsias desde sempre, bem antes da divisão de cores por gênero, sexo, e tudo mais. E claro, cama e aconchego para contar os carneirinhos. Depois de se mexer para lá e para cá, descobrindo o novo espaço de afeto, e botar as perninhas por cima do meu corpo – que delícia! – caiu exausta no sono. Eu fiquei ali parada, para que ela mergulhasse no sono profundo.
Durante a noite dormimos bem, mas ela, rainha da cama, vez por outra se atravessava nos lençóis, dona do pedaço. E eu encolhida na pontinha. Feliz. Acordamos tarde, e ela estremunhada e linda, respondia ao meu: Bom Dia! Café da manhã de princesa, ela só queria se sentar na cadeira roxa da avó, repetir o pãozinho, e depois dizia como adulta: “quero ver a geladeira, para ver o que tem”. Olha só que exigente.
Ao longo da manhã, ficou logo me pedindo para pintar as unhas com esmaltes de purpurina, que tenho para as minhas pobres unhas roídas. Queria todas as cores – pé e mão. Prendia o cabelo com as minhas borrachinhas dos meus ralos cabelos brancos, e calçava as minhas pantufas igualmente roxas. Vaidosaaaa que só ela. E a toda hora achava tudo fofinho! Fico sempre a me perguntar como a cultura age tão cedo nas meninas com essa delicadeza e sensibilidade para as coisas miúdas e as vaidades “femininas”.
Fui mãe de dois meninos, hoje homens feitos, e desde cedo, via coisas, tentava modificar comportamentos e reações, corroborava inconsciente e consciente com outras, e assim, referendava desvios ancestrais, mas que, me via tão impotente reproduzindo padrões incontornáveis.
Com Luísa, claro, observo de outro patamar, e espero e torço para que, viva num mundo mais igualitário, menos violento para com as meninas e mulheres, e que aprenda desde cedo, o que lhe dá prazer, o que lhe acarinha a alma, para seguir nessa vida crescendo, e vivenciando o mundo, que é tão hostil para com as mulheres.
A nossa primeira noite, foi a primeira de muitas, espero, e o início também de uma intimidade que já existe, mas que se consolida nas delicadezas da confiança, da entrega, e do dia a dia entre vó e neta.
Nesse finalzinho de ano e começando um Ano Novo, é com o sorriso dela, o abraço dela, e os seus olhinhos tão inocentes e amorosos dela que, gostaria de começar o meu ano e desejar-lhes um Feliz Ano Novo!