Lá pelos meados dos anos 80 do século passado, eu vivia os primeiros dos meus 20 anos. Ainda portava um pouco de ingenuidade, mas mui...

A janela do cabaré

conto mediunidade cronica aurelio cassiano
Lá pelos meados dos anos 80 do século passado, eu vivia os primeiros dos meus 20 anos. Ainda portava um pouco de ingenuidade, mas muito da vida adulta já havia estreado e conhecia muito bem, como diria Caetano “a dor e a delícia” de cada estreia. Já cultivava uma certa “espiritualidade”, até pelas minhas experiências religiosas, notadamente a minha passagem, à época, plenamente em voga, pelo espiritismo kardecista, na Casa da Vovozinha.

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União Espírita Casa da Vovozinha (J. Pessoa) GSView
Coincidentemente, me encontrava com a área de humanas, ingressando na Licenciatura em História, na Universidade Federal da Paraíba e já iniciava meus primeiros mergulhos nos movimentos de cunho político, a exemplo do movimento estudantil, que a mim, hoje, conto como uma outra graduação, não oficial e paralela a de História.

Conheci Marx, Sartre, Foucault. Foi aí que descobri que sou feito de confusão, extremos e conciliações, daí, surgir, através de alguns amigos ligados ao espiritismo, o contato com uma terapeuta que fazia regressão de memória. Numa visita a amigos comuns, que ela fez em João Pessoa, fui apresentado…

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Karl Marx / Jean Paul Sartre / Michel Foucault CC0/MS_Art

Eu era/sou um poço de perguntas e ânsia. Marcamos a primeira sessão em seu consultório localizado bem próximo a praia do morro do careca, em Natal, Rio Grande do Norte. À época, eu tinha um Voyage com dez anos de uso e financiado, mas era o suficiente para, em se colocando gasolina, chegar lá. Fui a primeira sessão!

O Atendimento era a cada quinze dias, e não lembro exatamente em qual dessas sessões, acho que foram apenas umas três ou quatro, fomos eu, dirigindo, e como companhias meu amigo-irmão Paulo Diniz e meus sobrinhos André e Anésio, carinhosamente chamado de Mel. Terminada a sessão, retornamos para João Pessoa.

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MS_Art
Na volta, quando fomos chegando a Mamanguape, alguém sugeriu darmos uma parada para uma cerveja (vale lembrar que à época, não havia restrição legal ao uso de álcool e direção, o que, graças a Deus, hoje existe). Potencial infração à parte, seguimos o relato:

Nos foi indicado um barzinho e lá paramos. Era uma casa comum, relativamente pobre e o bar funcionava na sala, logo na entrada. Nos sentamos em uma das mesas e pedimos uma cerveja. Uma Senhora muito educada e solicita nos serviu e ficamos a jogar conversa fora.

Foi aí então que percebi que havia uma janela entre a sala e resto do interior da casa. A janela estava fechada e continha uma pintura, feita a mão de uma bela paisagem. Era sim, uma obra de arte. Fiquei encantado.

Moto continuo, chamei a Senhora e perguntei sobre a possibilidade de ela me vender aquela janela, eu a queria para emoldurar e expor na sala da minha casa. Foi aí que descobrimos que estávamos em um cabaré:

— Não meu filho. Se eu tirar essa janela daí, as meninas vão ficar às vistas!

MS_Art
A janela dava para um dos quartinhos em que as meninas atendiam os clientes. Ainda argumentei que pagaria uma nova janela para ela e daria mais algum dinheiro, mas ela contra argumentou que era fim de semana, não tinha onde comprar outra e haveriam clientes naquela noite…

Pagamos a conta, voltamos para o carro e pegamos a estrada... Talvez, numa próxima encarnação, numa nova regressão de memória, eu veja aquela janela novamente.

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