Lá pelos meados dos anos 80 do século passado, eu vivia os primeiros dos meus 20 anos. Ainda portava um pouco de ingenuidade, mas muito da vida adulta já havia estreado e conhecia muito bem, como diria Caetano “a dor e a delícia” de cada estreia. Já cultivava uma certa “espiritualidade”, até pelas minhas experiências religiosas, notadamente a minha passagem, à época, plenamente em voga, pelo espiritismo kardecista, na Casa da Vovozinha.
Coincidentemente, me encontrava com a área de humanas, ingressando na Licenciatura em História, na Universidade Federal da Paraíba e já iniciava meus primeiros mergulhos nos movimentos de cunho político, a exemplo do movimento estudantil, que a mim, hoje, conto como uma outra graduação, não oficial e paralela a de História.
Conheci Marx, Sartre, Foucault. Foi aí que descobri que sou feito de confusão, extremos e conciliações, daí, surgir, através de alguns amigos ligados ao espiritismo, o contato com uma terapeuta que fazia regressão de memória. Numa visita a amigos comuns, que ela fez em João Pessoa, fui apresentado…
Eu era/sou um poço de perguntas e ânsia. Marcamos a primeira sessão em seu consultório localizado bem próximo a praia do morro do careca, em Natal, Rio Grande do Norte. À época, eu tinha um Voyage com dez anos de uso e financiado, mas era o suficiente para, em se colocando gasolina, chegar lá. Fui a primeira sessão!
O Atendimento era a cada quinze dias, e não lembro exatamente em qual dessas sessões, acho que foram apenas umas três ou quatro, fomos eu, dirigindo, e como companhias meu amigo-irmão Paulo Diniz e meus sobrinhos André e Anésio, carinhosamente chamado de Mel. Terminada a sessão, retornamos para João Pessoa.
Na volta, quando fomos chegando a Mamanguape, alguém sugeriu darmos uma parada para uma cerveja (vale lembrar que à época, não havia restrição legal ao uso de álcool e direção, o que, graças a Deus, hoje existe). Potencial infração à parte, seguimos o relato:
Nos foi indicado um barzinho e lá paramos. Era uma casa comum, relativamente pobre e o bar funcionava na sala, logo na entrada. Nos sentamos em uma das mesas e pedimos uma cerveja. Uma Senhora muito educada e solicita nos serviu e ficamos a jogar conversa fora.
Foi aí então que percebi que havia uma janela entre a sala e resto do interior da casa. A janela estava fechada e continha uma pintura, feita a mão de uma bela paisagem. Era sim, uma obra de arte. Fiquei encantado.
Moto continuo, chamei a Senhora e perguntei sobre a possibilidade de ela me vender aquela janela, eu a queria para emoldurar e expor na sala da minha casa. Foi aí que descobrimos que estávamos em um cabaré:
— Não meu filho. Se eu tirar essa janela daí, as meninas vão ficar às vistas!
A janela dava para um dos quartinhos em que as meninas atendiam os clientes. Ainda argumentei que pagaria uma nova janela para ela e daria mais algum dinheiro, mas ela contra argumentou que era fim de semana, não tinha onde comprar outra e haveriam clientes naquela noite…
Pagamos a conta, voltamos para o carro e pegamos a estrada... Talvez, numa próxima encarnação, numa nova regressão de memória, eu veja aquela janela novamente.