“Ou de como um revoltado boticário ateou fogo a uma carroça que guardava em terreno atrás de sua farmácia” Nicanor não era doutor coi...

A carroça do farmacêutico

cronica conto farmaceutico literatura paraibana
“Ou de como um revoltado boticário ateou fogo a uma carroça que guardava em terreno atrás de sua farmácia”

Nicanor não era doutor coisa nenhuma, mas sim um prático de farmácia, que convenhamos, não ficava a dever para nenhum desses alquimistas de diploma na parede e anel no dedo.

Tinha uma clientela muito fiel, e seus negócios iam de vento em popa, em sua cidadezinha de pouco mais de três mil almas. Ali, de Emplastro Sabiá, vidros de Emulsão de Scott, até injeção de penicilina, era tudo com Doutor Nicanor, isso passando por frieiras, caspas, lombrigas, bico-de-papagaio, cobreiros, asmas, bronquites e outros males que acometem nossa gente nessas brenhas de mundo.

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Antes que me esqueça, nosso doutor era casado com Dona Matilde, mulher mais alta que ele e que quando sobre a balança os ponteiros batiam fácil os três dígitos. Além disso, nada de boniteza e outros atrativos capazes de colocar em ebulição os níveis de testosterona do nosso boticário. Mulherona, que além dessas características físicas, era mandona e cheia de autoridade.

Nicanor, mesmo assim, sempre que podia dava seus pulinhos. Não era o que poderíamos chamar de um sujeito safado, no máximo diríamos que era safadinho. Isso mesmo, safadinho, fazia das suas de forma muito discreta. Mas, santo, santo, nem de longe. Sua clientela, muito confiava, naquele bigodudo baixinho, de jaleco branco e cheirando água de colônia. Era sujeito muito asseado como a profissão exigia. Mas…

Acontece que Dalvinha, esposa de Juca Carroceiro, andou padecendo de umas dores que só mulher tem. O esculápio que a consultou, recomendou quatro aplicações de uma injeção danada de doída. O jeito que ela teve, foi recorrer ao único estabelecimento que poderia resolver aquele desconforto: a farmácia do Nicanor.

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Celyn Kang
— Depois de uma aplicação, a senhora não vai conseguir nem levantar esse braço. Vai ficar muito dolorido – explicou nosso farmacêutico.

— E então o que faço? – perguntou Dalvinha já toda cheia de fingir algumas vergonhas.

— Recomendo que as aplicações sejam nas nádegas.

Nicanor preparava a seringa e Dalvinha já se colocou naquela posição em que Napoleão perdeu a guerra com a saia levantada e as outras coisas abaixadas. Nicanor sempre de mão firme, teve dessa vez de controlar a tremedeira. Uns segundos depois, já com o treme-treme sob controle, esfregou um chumaço de algodão com álcool naquelas alvas e rijas nádegas. Uma visão do paraíso! A seguir, muito profissionalmente espetou aquelas carnes e empurrou vagarosamente o êmbolo até esvaziar totalmente o cilindro. Depois, respirou fundo e fez a assepsia com outra compressa de algodão e álcool. Finda a tarefa, Dalvinha agradeceu.

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Celyn Kang
— Nem doeu tanto, doutor. O senhor é muito jeitoso.

Nas três aplicações seguintes os trajes de Dalvinha eram cada vez mais ousados, assim como os agradecimentos. Nicanor teve ímpetos de dar uma agarro naquela mulher insinuante, dar um beijo naquela boca carnuda, mas desistiu só de lembrar do tamanho de Juca de da braveza de Dona Matilde.

Depois da terapêutica não deixava de pensar nas palavras cheias de insinuações e naquele pedaço da anatomia de Dalvinha. Isso sim, é que é mulher, conjecturava ele. Um sábado soube que Juca ia fazer um carreto bem longe, coisa para duas horas ou mais. Resolveu enfrentar as provocações e partiu para casa do carroceiro.

— Vamos entrar, seu Nicanor. Bom o senhor ter vindo. O local das injeções está dolorido e um pouco roxo. O Senhor não podia examinar?

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Foi a senha para começarem as safadezas. Só que sem ninguém esperar, quem aparece? O Juca. Tiveram tempo de se recompor, mas Juca quis saber porque Nicanor estava ali. Como não visse saída e se borrando de medo, Nicanor saiu com essa;

— Vim falar com o senhor. Como não estava, disse à sua esposa que gostaria de comprar sua carroça. Pode botar preço.

— Não está à venda.

— Mas estou com precisão. Como já disse, pode botar preço. Tanto insistiu que acabou pagando o triplo do que valia. Livrou-se de levar chumbo, mas não se desvencilhou daquele trambolho que acabou deixando num terreno atrás da farmácia. Dias atrás, Dalvinha passou lá na farmácia, e foi dizendo:

— Não era pra dar certo, né meu bem. Uma pena, eu e Juca estamos mudando de cidade.

— Mas como eu fico? Deixou eu “desse jeito” e se manda.

— Ah, meu querido, já ouviu dizer que em época de guerra qualquer buraco é trincheira? Dona Matilde está esperando – deu ainda um piscadinha muito insinuante e saiu toda rebolativa.

Nicanor, foi aos fundos da farmácia e ateou fogo na carroça. Não era para menos, concordam?

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  1. 😂😂😂😂😂😂😂😂😂😂🪡✂️🧵

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  2. Muito interessante a crônica. Parabéns.

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