A foto ilustra a publicação de discurso de Samuel Duarte no número 12 de Paraíba Cultura, revista editada para documentar as “Noites de Cultura”. A foto reproduzida é de início dos anos 1940.
Nela reconhecemos, além do secretário Samuel, o professor Emanuel de Miranda Henriques, que viria se destacar como diretor do Liceu no governo José Américo; e José Simeão Leal, (de gravata borboleta) diretor da Divisão de Serviço Público, cargo que exerceu até 1944. Concentra-se nele, em Simeão, a razão deste registro.
De terno branco como a maioria dos figurantes, alto, desempenado, a calva já se acentuando. Mas não será na gravatinha borboleta já adotada desde moço que avultará a grande figura do Simeão Leal que vamos encontrar noutras fotos, vinte anos depois, posando com Manuel Bandeira, Jorge Amado, Eduardo Portela, Tomaz Santa Rosa, Marques Rebelo e dezenas de outras celebridades vivas da literatura e das artes brasileiras.
Na foto Samuel Duarte tem o ar de súdito inglês, de quem estava ali apenas para compor a fotografia, de quem se preparara para voos mais altos.
Fui conhecê-lo de perto e bem perto no Rio, no Natal de 1962, em busca de estágio gráfico na antiga Imprensa Nacional. Ele era diretor da Divisão de Documentação e Cultura do antigo MEC e eu diretor recém-nomeado da Imprensa Universitária da UFPB, com a prioridade de instalar a gráfica-editora.
Dois anos antes, em minha primeira viagem ao Rio, ao mesmo tempo que o Corcovado, conheci Simeão. Eu fazia parte de um grupo de jornalistas e escritores que o governo de Pedro Gondim premiara com essa viagem, a pretexto da I Feira de Livros do Rio, em Copacabana. Fomos juntos, sob o pálio da União Brasileira de Escritores, secção da Paraíba, Carlos Romero, Otacílio Cartaxo, Waldemar Duarte, Wilton Veloso e mais um ou dois que agora não me ocorrem. Baixamos no gabinete do paraibano mais solicitado por artistas e escritores do Rio e que só alguns privilegiados da Paraíba conheciam.
Estava lendo qualquer coisa com as pernas estiradas sobre o birô e levantou-se rápido, efusivo, para nos receber. Os braços longos, bem abertos e a exclamação brincalhona inspirada na figura cajazeirense de Otacílio Cartaxo:
- Eita, cangaceirada!
E ficamos logo à vontade. Daí a pouco levou-nos ao Museu de Arte Moderna, ouvindo dele muita coisa que não alcançávamos nos quadros. Eu, pelo menos. Foi uma manhã que se estende até hoje sempre que me vejo diante de um quadro modernista.
Depois veio o melhor, aquele Manuel Bandeira com seu tanto de inefável nas nossas leituras, entrava em carne e osso na sala de Simeão. E parecia pessoa como nós. E deixou-me tocar em suas mãos. E ouvi-lhe a conversa com Simeão como eu conversava aqui com Juarez Batista, Vanildo Brito, Jomar, com Nathanael Alves. Custava acreditar. E lá vem Anísio Teixeira, Mário Pedrosa, Afrânio Coutinho, Eduardo. Todo esse mundo fabuloso, aos meus olhos matutos, vivido nesse ambiente, mesmo num cantinho, num Natal que se estendesse por tanto tempo. Um Natal permanente que era o de uma Divisão do MEC regida por um paraibano de todas as naturalidades.
Não fora de graça que isso acontecia. Num tempo em que o livro ainda não era ostensivamente mercadoria, isento de marketing, a Divisão de Cultura se empenhando em difundir maciçamente os valores compromissados com a nossa consciência e a nossa formação. O produto ou livro dirigido menos pelo mercado do que pelas prioridades culturais.
E assim tivemos a revista Cultura, os Cadernos de Cultura levados aos milhões às bibliotecas do país com o essencial ao nosso aprendizado. São centenas de títulos da melhor ensaística literária e artística do pós-modernismo.
Ainda está para ser avaliada a atuação desse paraibano na difusão de ensinamentos no campo das letras, da historiografia e das artes quando nos faltavam as universidades.