O calendário gregoriano é, hoje, o sistema de datação mais amplamente utilizado em todo o mundo, sendo adotado pela maioria dos países para fins civis e sociais. Seu nome é derivado do Papa Gregório XIII, que o introduziu em 1582 para reformar o calendário juliano.
A contagem gregoriana é solar, ou seja, é baseada no tempo que a Terra leva para orbitar o sol, organizando o ano em 12 meses, num total de 365 dias em um ano comum. No entanto, para compensar a diferença entre o ano solar natural, que é ligeiramente inferior a 365,25 dias, e a datação do calendário, foi incorporado um ano bissexto a cada quatro anos. A sua introdução envolveu ajustes para corrigir os desvios temporais acumulados no antigo calendário, fazendo-se necessária, também, para efeito de sincronização com as estações do ano, a eliminação de dez dias.
O ano novo no calendário gregoriano é celebrado em 1º de janeiro. Essa data foi escolhida para coincidir com antigos eventos históricos, incluindo as festividades romanas dedicadas ao deus Janus, de onde se originou o nome Janeiro. Janus era a divindade romana associada a portais, passagens e transições.
Em todo o mundo, o ano novo não é somente um divisor temporal, sendo as festividades que o cercam manifestações da riqueza e da diversidade das múltiplas expressões culturais de diferentes povos. Há realidades, porém, que a mera passagem de ano não altera, nem renova.
Quando vivi na Europa, acompanhava, pelo noticiário, “ano novo” após “ano novo”, casos de imigrantes sendo barrados nas portas de boates que comemoravam a data. Os estabelecimentos davam sempre a desculpa de que se tratavam de festas privadas. E, de fato, eram. As comemorações se destinavam apenas aos nacionais e aos europeus, nas quais estrangeiros de países tidos como inferiores não eram admitidos. Os imigrantes ali eram convivas indesejáveis, etnicamente reprováveis ou pobres demais para se ter ao lado. Entre si, aquelas pessoas renovavam-se em sua ignorância, ódio irracional e intolerância, consideram-se a si mesmas como “superiores”, numa comemoração periódica de sua própria estupidez.
O ano novo não pára o ódio, não detém o ressentimento, não paralisa as guerras, não cessa o preconceito, porque não é o ano, mas quem o atravessa, que deve mudar.
O comércio e a propaganda promovem o advento do ano novo como uma celebração que transcende a mera passagem do tempo. Contudo, nenhuma meta ou propósito de ano novo é durável ou viável, se não estiverem assentados numa compreensão maior e mais profunda da responsabilidade pessoal de cada um, numa jornada interior de autoavaliação.
O ano novo pode ser uma oportunidade de confrontar nossos feitos e falhas, e de aprender com as experiências que moldaram nossos dias. Ao formularmos desejos e metas para o futuro, estamos, sobretudo, comprometendo-nos com uma mudança. Contudo, ela só será para melhor, dependendo do que aspiramos. Quem se movimentar na direção de obter mais empatia, gentileza e compreensão, de fato, estará numa jornada de autotransformação, mas quem preservar em si o egoísmo, renovado por objetivos e metas apenas materiais, manter-se-á preso a um passado que deveria ser capaz de superar.
Se, de boa vontade, tivermos a condição de encarar o ano novo como uma chance de cultivar virtudes, superar desafios e contribuir para o bem comum, ele pode se constituir num importante ponto de inflexão.
A reflexão propiciada pela chegada de um novo período de tempo, só é realmente válida se nos fizer meditar sobre todo o tempo que desperdiçamos, por falta de sabedoria. Se houve dores, duras lutas, desafios insuperáveis e decepções, há a oportunidade de minimizá-las ou de saná-las com trabalho e persistência no bem. Ser mais útil aos outros, ajudar a diminuir as dores do mundo, sempre traz mais alegria ao coração. Deus não se esquece de ninguém. No tempo certo, cada um recebe o alívio e tem sua chaga tratada.
O presente que se renova é uma dádiva. A oportunidade de estarmos aqui para demonstrar gestos concretos de amor e preencher de luz a maior parte dos nossos dias, não deve ser desconsiderada. Vencemos sempre que permitimos que a Luz de Deus rebrilhe em nós, fazendo recuar nossas próprias sombras. Cada momento é uma benção se o aproveitarmos bem.
Se pudermos nos dedicar com afinco à bondade, ao perdão e à fraternidade, auxiliando o máximo possível, até o limite das nossas possibilidades, demostraremos para nós mesmos que assimilamos o verdadeiro sentido de recomeçar. Sem ilusões de recompensas e de reconhecimentos, apenas por compreensão de que a oportunidade de tornar-se melhor é a maior motivação.
A nossa esperança nunca deve caber nas estreitas linhas desse mundo ou de uma existência física que se exaure com o fim de um corpo perecível. Espaços luminosos nos aguardam para além das fronteiras da matéria, por isso devemos viver segundo os valores e princípios que importam no nosso destino, e não segundo conveniências e interesses ilusórios e transitórios. O maior desafio é superar a sedução do provisório e olhar para o que, de verdade, interessa. Quem o lograr, será feliz no futuro e terá paz no presente. Na perspectiva da verdadeira renovação, não importam as faltas dos outros, nem o julgamento de ninguém. Importa o esforço, a dedicação em se superar, em ser melhor, espiritual e moralmente, em servir a causa do bem.
Os melhores presentes serão sempre a consciência tranquila e a chance de ajudar e de cooperar. Ativos financeiros, bens materiais, imóveis, passam de mãos em mãos, de família em família, no curso inexorável do tempo. Esgotam-se, esvaem-se, são retirados, senão pelo azar ou pela sorte, pelo toque inevitável da morte. Restarão os frutos do trabalho benemérito e os melhores sentimentos e atitudes que cultivamos, sendo esses os únicos motores que podem nos levar, das sombras de nós mesmos para a abençoada luz de um novo tempo.
Por maior que sejam o foguetório e os aparatos exteriores, a autêntica renovação só ocorre mesmo quando vem de dentro e não de um calendário.