Para começo de conversa, preciso dizer – e não conto novidade nenhuma – que eu e vocês somos sequências numéricas em pasta de computador, minha amiga e meu amigo. Em virtude da numeração que nos aplicam como se fosse um carimbo na testa, os sucessivos governos e os aparatos dessa coisa chamada “Sistema” sabem quem somos, onde vivemos, do que vivemos, o que temos, quanto ganhamos e quem sustentamos. Assim também o sabem os setores da indústria e do comércio aos quais repassamos nosso Cadastro de Pessoa Física, o famoso CPF, mesmo quando das compras com dinheiro vivo.
Preciso, ainda, observar que o acompanhamento institucional das nossas vidas e nossos passos contém o lado ruim e o lado bom, a depender dos usos que os controladores façam dos dados pessoais por todos nós entregues compulsoriamente, ou não. Isso é pior quando apenas caiba no mundo projetado pelo incrível George Orwell em seu impressionante “1984”, obra lançada há 75 anos contados a partir do próximo janeiro.
Neste caso, o que temos é a vigilância a serviço do totalitarismo, é o controle dos nossos atos e hábitos, é o risco de respondermos até por crimes de pensamento. Bem o digam o “Olho que Tudo Vê” e a figura do “Grande Irmão”, termo, este último, no qual se inspira a franquia internacional dos BBBs televisivos, sem propósito além do voyeurismo e do mau entretenimento, assim considero.
A semana começou com o agradável reencontro com velhos colegas de Redação, gente que há muito eu não via, pessoalmente, olho no olho. Haviam acorrido ao Centro Cultural Ariano Suassuna a fim de acompanhar a apresentação do “Observatório de Dados”, iniciativa do Tribunal de Contas do Estado para o controle social dos atos e gastos de governo e, igualmente, de outras instituições estaduais e municipais.
Fonte: Ascom TCE/PB
E este controle invertido, pois disposto ao cidadão, é muito bom. Os colegas informavam-se, ali, do “Observatório do Sagres”, do “Observatório Processual” e do “Painel de Obras”, tudo numa mesma tela de computador, ao alcance dos clicks de acesso a receitas e despesas públicas e, não menos, à situação da Previdência Social (da qual dependem os aposentados nossos de cada dia), da educação, da saúde, da infraestrutura e dos quadros de servidores efetivos e temporários que tanto pesam nos ombros dos contribuintes.“Você é o Fiscal”, dizia o primeiro slogan do Sagres. Trata-se de sigla para o Sistema de Acompanhamento da Gestão dos Recursos da Sociedade, a ferramenta eletrônica útil ao controle popular das ações governamentais lançada em 2012 como ponto de partida para os aperfeiçoamentos que se seguiriam, no dizer do anfitrião e presidente do Tribunal, o conselheiro Nominando Diniz.
Temos, assim, que o pau que dá em Chico pode dar em Francisco. É o preço então pago pelo Sistema que nos espiona. A mesma tecnologia, finalmente, também nos faz espiões. Mas, neste caso, em favor da cidadania. Não teria como ser diferente onde a democracia viva, respire e prevaleça.
Lembro de que, anos atrás, saí da consulta médica com o endereço de uma nutricionista (para o controle alimentar) e com a prescrição de remédio contra a diabetes. Paguei por essas coisas em cartão de débito e, desde então, passei a ter no Facebook e Instagram – para ficarmos nesses dois exemplos - propaganda de medicamentos contra o mal que me abate o corpo e o espírito. Não aconteceu de modo diferente quando a vista turva me levou ao consultório de um oculista. Dali saí com anúncios de lentes nas páginas que desde então busco, via Internet. Incluamos as do noticiário rotineiro ao qual me conduzo por dever de ofício. Percebi, no primeiro momento, que o comércio e a indústria de pronto souberam dos meus achaques.
Tento me vingar da doença e dos que me impõem dietas e receitas com a desobediência a tudo e a todos. O procedimento, aviso, tem contraindicação: a da arenga permanente de Dona Miriam e dos filhos que parimos.
Ainda bem que disponho de outra forma para retaliar farmácias, lojas, fabricantes e fornecedores de produtos e serviços, pois já consigo saber, também, de imediato, sem sair da cadeira, onde se situam os mais caros, o que me permite a rejeição, o esquivo e a denúncia.
Para tanto, acesso o “Preço da Hora”, assim denominado o aplicativo resultante do compartilhamento de dados entre a Secretaria da Receita e o mesmo Tribunal. Contam-me que as informações são ali atualizadas a cada cinco minutos, intervalo de tempo em que os dois organismos capturam as notas fiscais atinentes às aquisições e vendagens do comércio.
Vinhos, queijos, frutas, cereais, carnes, panetones? Pois bem, espiono e consigo saber, ao simples click, quem vende isso a custos mais baixos. O aplicativo dá-me (e a todos vocês, é claro) preços, nomes e endereços dos negociantes de todo e qualquer produto de que necessitemos na casa e na despensa doméstica, em todas as estações do ano. Basta baixá-lo no celular, no laptop, ou no computador de mesa. Mantenho, em certa medida, o controle da situação se o problema disser respeito à economia familiar. Evidentemente, este é o lado bom da coisa. É, de alguma maneira, a desforra do consumidor. Não é não?