Tomo, por empréstimo, o título da bela toada do cearense Luiz Vieira a fim de falar de uma das minhas grandes saudades: a que me remete, em cada fim de ano, às antigas festas do interior. Na verdade, elas por décadas existiram, também, em áreas históricas e bairros periféricos das Capitais.
Ainda menino, eu gostava de ser acordado pelo barulho decorrente da armação dos carrosséis, balanços e rodas-gigantes, as coisas mais comuns aos velhos parques de diversão. Permanecia na cama de ouvidos atentos ao que acontecia lá fora e, raiado o sol, corria para ver de perto esses brinquedos, tão logo as portas da casa paterna se abriam.
Anos mais tarde, ao lado da menina que dava ao meu coração a disritmia de uma montanha-russa, ora lenta ora disparada, eu me juntava, em plena madrugada, às famílias encarregadas do embandeiramento do trecho ao longo do qual toda a movimentação transcorreria. Na alvorada, o sol exibia, feitas de papel, bandeirolas de cores diversas, para a surpresa dos que então acordavam.
Depois disso, instalavam-se os bazares e as barraquinhas de prendas e jogos. E, o mais importante, o Pavilhão Central igualmente embandeirado, iluminado e colorido. Ali, estaria o coração dos festejos que tinham leilões de pernis, galinhas e perus assados a capricho e servidos aos vencedores, juntamente com as bebidas, para a honra, a glória e, é claro, a capitalização da Paróquia. Também, ali, ocorriam os concursos de Rainha da Festa disputados pelas moças bonitas. Ganhavam o título não as mais belas e, sim, aquelas que mais votos vendessem. E, mais uma vez, o dinheiro arrecadado iria servir à pintura e aos remendos da Igreja que se fizessem necessários.
Pais sempre vigilantes dispunham as filhas ao atendimento das mesas, caso o Padre pedisse e elas assim quisessem. Pois bem, aqueles arremedos de garçonetes transformavam-se em portadoras de mensagens rabiscadas pela rapaziada mais afoita e desinibida. “Entrega isso à moreninha de verde”. E elas, risonhas e solícitas, repassavam os bilhetinhos às que lhes fossem indicadas. Contudo, o faziam às escondidas, de modo a que a paquera não fosse percebida por mães seletivas e pais mais severos.
Os rapazes também recebiam desses bilhetes, com uma diferença: eram, geralmente, anônimos. E não adiantava perguntar de suas origens. De jeito nenhum, as mensageiras identificavam as remetentes das quais, geralmente, eram amigas. Mesmo assim, quantas morenas, louras e ruivas não tiveram nos pavilhões da minha terra o início da trilha para o altar do Padre Gomes.
Um capítulo à parte dessa história foi o dos jornais de estudantes. Vez ou outra, alguém saía furioso de suas leituras porquanto objeto de piada, ou fuxico. Mas os jornaizinhos subsistiam, ano após ano, até porque atendiam, igualmente, aos corações enamorados. Continham, além da fofoca, avisos, poemas e juras de amor.
Por falar nisso, os parques de diversão possuíam, eles mesmos, serviços de som para a difusão de mensagens e músicas. Numa pequena cabine de madeira, um locutor munido de microfone e toca-disco transmitia os sucessos da ocasião. E punha no ar as dedicatórias por meio de alto-falantes instalados no topo de um mastro. Coisas do gênero: “Olá, Soninha. Assim como as flores abrem suas pétalas para receber o sereno da madrugada, abra seu coração para ouvir esta canção que Marcos dedica a você”. Nelson Gonçalves, Anísio Silva, Ângela Maria, Cely Campelo, Demétrius, ou Carlos Gonzaga, estes três últimos com as primeiras versões nacionais de rocks e baladas, embalaram muitos namoros.
Ah, sim, girândolas e bandas de música, em seus desfiles matinais, acordavam as famílias de antigamente para a homenagem às santas e aos santos padroeiros. Passada a festa, todos retomavam suas vidas e seus afazeres. As janelas se abririam, dia a dia, aos primeiros raios solares, mas, agora, a fim de que as donas de casa, ou suas ajudantes, dali recolhessem queijos e litros de leite deixados, horas antes, pelos entregadores, sem que naquilo ninguém mexesse. Findo o café da manhã, rainhas e princesas voltavam a dividir conosco os bancos do colégio.
Como o retrato na parede que tanto doía no coração de Drummond fere-me, também, a lembrança daqueles dezembros. Mas torço, hoje, para que a juventude tenha em relatos como este algo além do lamento de quem se atrela ao passado por aversão aos modos e hábitos modernos. Afinal, atento a cada mudança, sobrevivo às transformações que se processam em escala mundial.
Tenho subsistido com mais tempo de vida do que de velhice. Adapto-me, facilmente, às situações e às ferramentas que a evolução social, econômica e tecnológica me oferece. Jornalista do tempo das linotipos, manejo computadores.
Desejo, então, que os jovens percebam, aqui, o esforço de um sujeito disposto a mostrar como a vida já foi para si e os seus. Não para compará-la, mas, simplesmente, para conhecê-la. E, do fundo do peito, peço aos mais velhos, reservadamente, que tomem este mergulho no passado como um canto de ninar, porque, passageiros do tempo, assim merecemos. A todos, Boas Festas.