O caderno de desenho sobre a carteira. Tempo de primário, lápis apontados, desenhos por colorir. Figuras diversas: bichos, gente, coisas. Um navio ancorado. A professora, circulando a voz fanhosa entre nós, tocou a ponta da unha no navio ancorado: pinte, menino.
Escolhi o palhaço. Gostei de pintar o nariz redondo, a cabeleira assanhada, o roupão folgado! Olhei ao lado: os coleguinhas ocupados nas tarefas. Caprichei, colori o simpático palhacinho e, nem sei por que, comecei a conversar com ele.
A professora cochilando ao birô, os óculos pendentes, um calorzinho de manhã doce. Tornei-me íntimo do desenho já colorido. Não falava, porém, dizia muito. Ninguém me ouvia. Como se, na sala de aula, somente nós estivéssemos.
Quando ia ver o espetáculo dos circos armados pela cidade, nunca consegui me aproximar de um deles. Após fazerem a gente rir, sumiam por trás do cortinado e eu regressava, de certa forma, frustrado. Malabaristas, mágicos, trapezistas não me encantavam quanto os palhaços.
Em casa pintava a ponta do nariz com o batom vermelho de mamãe, me maquiava, vestia-me a caráter, imaginava no quintal o picadeiro. Sobre os degraus que levavam às goiabeiras, via sentada a plateia. Na verdade, somente minha mãe e as tias ficavam me assistindo. Riam mornas, aplaudiam por benevolência.
Tudo me lembrava, ao dialogar perante o desenho posto em cima da carteira. Qual o segredo em fazer gargalhar? Parecia que o palhacinho do caderno criava vida, imitando os verdadeiros. Dei uma risada alta, sem me aperceber que a professora estava desperta. Chegou junto a mim: “É parecido com você. Tenha modos, senão lhe mando à diretora! Risada sem graça!”
Caiu por terra a fantasia, e o palhacinho não me disse nada, envergonhado, por certo. Os cadernos foram recolhidos. A professora me chamou e se desculpou por haver me repreendido. Ganhei um dez redondo pela pintura.
Nunca mais esqueci o palhaço do caderno.