O revisionismo histórico gosta de sublinhar que o Natal incorporou elementos de festividades pagãs, especialmente durante o processo de cristianização da Europa. Celebrações associadas ao solstício de inverno, como o festival romano da Saturnália em honra ao deus Saturno, as festividades em homenagem a deusa Ceres e as comemorações germânicas das colheitas, de fato, foram adaptadas para coincidir com a celebração do nascimento de Jesus. Essas tradições pré-cristãs envolviam rituais relacionados à renovação, ao retorno da luz e à celebração da vida durante o período de escuridão e frio do inverno.
Estes eventos ocorriam por volta do dia 21 de dezembro no hemisfério norte e foram requalificados estrategicamente, pela Igreja de então, como um modo de aproveitar tais comemorações para exaltar um conteúdo religioso cristão.
É inegável que a assimilação de costumes pagãos facilitou a aceitação do cristianismo entre as populações que já celebravam essas festividades periódicas. Este fato histórico, contudo, não invalida nem desmerece a verdade e a beleza do Natal. Para efeito de tentar desacreditá-lo, o argumento segundo o qual o Natal é um feriado arbitrário consiste apenas numa commodity já desgastada do ceticismo. Seria ingenuidade pretender determinar no calendário o dia exato do nascimento de Jesus quando o que vale mesmo não é um delineamento temporal, mas sim a homenagem em si.
O genial e sensível ex-arcebispo da Paraíba, Dom José Maria Pires, reconhecendo a aleatoriedade da data, sugeria que o Natal, no nordeste do Brasil, fosse comemorado no mês de junho e não em dezembro, pois o solstício de inverno no hemisfério sul ocorre no meio do ano, o que faria com que o "aniversário" de Jesus também coincidisse aqui com a alegria de uma época de fartura.
Para todos os cristãos, o Natal celebra a vinda de Jesus para uma humanidade que estava espiritualmente perdida. Ele se deu, desde seu nascimento, como um exemplo a ser seguido e modelo perfeito de como se viver uma vida dedicada a Deus e aos outros.
Sua vinda inaugurou o Reino de Deus na Terra, que não é um domínio terreno convencional, mas sim um ambiente espiritual e interior, que nasce dentro de cada pessoa. Sua chegada é o anúncio desse reino caracterizado por valores espirituais e atitudes práticas de bondade.
O verdadeiro significado do seu nascimento está para muito além das festividades materiais e comerciais sazonais. É, principalmente, um momento de reflexão sobre a mensagem de Jesus Cristo, buscando vivenciar os seus ensinamentos de amor ao próximo, sacrifício e humildade.
O apóstolo Paulo se refere à vinda de Jesus, enfatizando a humildade do Filho de Deus em se fazer humano para redimir a humanidade, escrevendo em Filipenses 2:7-8:
"(...) mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz."
Também destacou que o nascimento de Jesus cumpre as profecias do Antigo Testamento e representa a realização das promessas de Deus ao seu povo. Em Gálatas 4:4-5, ele assevera:
"mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos.”
O amor divino, manifesto na encarnação de Cristo, é um ato supremo de amor, onde Deus se aproximou da humanidade, demonstrando Sua misericórdia e graça. Diante de tal presente, cada um que o recebe deve demonstrar alegria e gratidão como uma resposta ao amor recebido Por essa razão, para toda a cristandade, o Natal é considerado como um momento de grande júbilo e celebração, pois representa a manifestação da compaixão de Deus, de uma maneira concreta e acessível.
O nascimento de Jesus foi a solução divina para a decadência moral e espiritual do ser humano, oferecendo redenção e transformação.
Os místicos cristãos enfatizam a possibilidade de uma união direta e pessoal com Deus através da contemplação mística. O Natal, neste contexto, é uma oportunidade acessível a todos, um momento simbólico que lembra a proximidade divina, representada pela encarnação de Cristo, o Enviado, o Redentor, que se oferece em simplicidade e amor para todos os que se abrirem para o significado de sua chegada a este mundo. O Natal traz a promessa de redenção e reconciliação através da encarnação de Cristo como solução para a decaída condição humana. A cada Natal, a Luz Divina rebrilha nas trevas do mundo, acendendo a alma de todos os que a acolhem como um convite para uma transformação sincera e profunda através da presença de Cristo.
O Natal é um lembrete da necessidade de permitir que Jesus nasça espiritualmente em cada coração.
A simplicidade da manjedoura, a única cama então disponível para Maria e para Jesus, inspira a busca pela liberdade interior através do desapego em relação às preocupações materiais. O Natal não consiste nas comidas nem nas luzes elétricas, embora elas evoquem a partilha e a claridade do período, mas, sobretudo, no retorno à experiência primordial do desapego e da generosidade.
Jesus nasceu indefeso e puro numa estrebaria, e morreu indefeso e puro numa cruz, e no trajeto entre um ponto e outro, ensinou a confiança em Deus, diante dos constantes e ininterruptos desafios da vida, e o cuidado com o outro através de atitudes e de palavras. Seu nascimento e vida nos edifica e nos transmite a mensagem de que devemos aguentar firme, dando, no curso de nossas vidas, um testemunho constante de afeto, de compaixão, de devoção e de dedicação ao próximo.
O apego das pessoas aos bens materiais se dá em função do valor que atribuem a determinados objetos, à identidade e status associados às posses, ao medo da perda, ao condicionamento cultural, ao consumismo, à incerteza sobre o futuro, aos hábitos e à concepção vigente de uma felicidade ligada ao dinheiro. O exemplo da chegada despojada de Jesus ao mundo, auxilia-nos na compreensão de que o apego às coisas materiais deve ser deixado de lado, se desejamos conquistar uma paz sustentável num ambiente menos injusto e cruel. O fato de Jesus ter nascido num estábulo, destaca a ideia de que Deus pode se manifestar em circunstâncias modestas, sugerindo que a verdadeira importância não está nas posses materiais, mas em valores mais elevados, como o amor, a humildade e o serviço abnegado em favor do próximo. Enfatiza também que a verdadeira alegria não está ligada ao patrimônio, ao poder econômico e ao destaque social.
Jesus veio ao mundo em simplicidade, sugerindo que a verdadeira alegria pode ser encontrada na espiritualidade, nas relações fraternais e nos atos de generosidade. O nascimento de Jesus sugere uma inversão em relação aos valores da sociedade de consumo, destacando a importância do espiritual sobre o material, o que nos inspira a meditar sobre o significado da vida, para além da acumulação de coisas, demonstrando que a verdadeira riqueza está em ser pacífico, gentil e na disposição de servir aos outros. Jesus, através do exemplo do seu nascimento, oferece um modelo de serviço e de amor desinteressado que transcende as preocupações materiais.
Natal é presença divina no mundo e na alma humana, quando o transcendente se manifesta no imanente, ilustrando a humildade e o despojamento de Cristo ao nascer na absoluta simplicidade, num convite para uma nova atitude, onde a alma se abre para a presença divina e para a necessidades de todos aqueles que precisam da nossa compreensão, da nossa presença, da nossa doação, dos recursos que podemos partilhar e do afeto que Jesus nos empresta, em seu infinito amor por todos.
Natal é nosso pão na mesa do outro, é nosso perdão na alma do outro, é nosso suor no alívio do outro e, sobretudo, Jesus presente em nossos corações.