Muitos textos possuem esse título. Mas a violência patrimonial contra mulheres e pessoas idosas nunca deixou de acontecer e, atualmente...

O fio de Ariadne

teseu ariadne baco
Muitos textos possuem esse título. Mas a violência patrimonial contra mulheres e pessoas idosas nunca deixou de acontecer e, atualmente, ocorre com muitas famosas e ricas, que vêm a público denunciar esse tipo de agressão.

O assunto está em alta. Até pouco tempo atrás, as mulheres tinham vergonha de expor violência patrimonial e o próprio Judiciário dava à questão um tratamento irrelevante. Por que muitos homens nas suas relações se apropriam e gerenciam o dinheiro de suas mulheres e filhas?
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Teseu e AriadneA. Kauffmann, S.XVIII
É uma extensão do direito de posse e coisificação da mulher e o homem “colhe” os frutos de sua “posse”. Vamos falar novamente sobre aquela que teve um triste fim por não saber quando parar. Tratemos, então, desse tema: a apropriação pelo parceiro.

A história de Ariadne apresenta um significado espiritual e iniciático. Façamos uma análise a partir dos dados exotéricos (com x mesmo), lembrando como muitas de nós, por amor, damos mais do que recebemos.

A bela Ariadne, para conseguir o amor de Teseu, passou por cima dela mesma. Teseu deveria enfrentar o Minotauro, monstro que habitava o labirinto, na ilha de Creta. Buscava a vitória, a glória. Por essa razão, mesmo sem corresponder da mesma forma ao amor de Ariadne, casou-se com ela. Sabia que ela o levaria à glória.

Ariadne, na esperança de ter seu amor correspondido, deu a Teseu um fio para que ele pudesse encontrar o caminho de volta em seu percurso no labirinto. E, assim, ele venceu a luta contra o Minotauro.

Porém, na história, só Teseu levou os louros. Logo após a vitória, ele parte com sua esposa e a abandona numa ilha, retornando para sua pátria.

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Ariadne abandonada por Teseu na ilha de NaxosAngelica Kauffmann, S.XVIII
A partir daí surgem várias versões. Numa delas, o seu amor não era suficiente e por isso resolveu deixar a esposa. Em outra versão, Afrodite, a deusa do Amor, teria se comovido com o desespero da jovem e encarregou Dionísio de desposá-la. Há, também, o relato de que Ariadne morreu e, ainda, a versão de que Teseu quis evitar novos conflitos, caso fugisse com a Princesa. Mas Dionísio se apaixona por ela.

Na verdade, Dionísio rege os mistérios da iniciação, da espiritualidade e, talvez por isso, também simbolize a embriaguez dos sentidos. Talvez qualquer ser humano sugado em um relacionamento amoroso necessite se conectar com sua espiritualidade para, então, poder se redescobrir.

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Ariadne e DionísioTiciano, 1523
Em nossa sociedade, vemos vários tipos de Ariadnes. O parceiro, muitas vezes ciente do amor que lhe é depositado, apropria-se das coisas que lhe são postas à disposição por aquelas que não sabem haver limites para amar. Essas Ariadnes são aquelas pessoas que, com medo de perder o amor do outro, se submetem a qualquer coisa. Tornam-se objeto e posse do outro.

Na condição de coisa, o outro pode se apropriar de seus frutos, sejam eles quais forem. No direito civil, vemos que um dos efeitos da posse é justamente a percepção dos frutos. Quando o possuidor está de boa-fé, os frutos já percebidos continuam consigo.
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AriadneAngelica Kauffmann, 1774
Quando de má-fé, esses frutos devem ser devolvidos ao verdadeiro possuidor, dono.

Mas, na vida real é assim? Seria se, em nossa sociedade, não vivêssemos tantas incertezas nos relacionamentos descartáveis, nos quais as ameaças e medos de um fim não fossem o impulso das vontades. Seria se o parceiro não se desfizesse do sentimento e ameaçasse o outro com finais e abandonos.

São formas de apropriação inevitáveis. É comum, nas classes média e baixa, vermos bares e restaurantes em que todas as pessoas da família trabalham. Porém, quando nessa família existe um pai ou um marido, o nome do empreendimento tem o nome dele. Mulheres só dão nomes a bares e restaurantes quando trabalham sem auxílio de marido ou companheiro. Em regra, o nome de fantasia é sempre o do homem.

Essas mulheres encontram-se na cozinha ou nos serviços gerais, trabalhando até mais do que seus parceiros, do que seus pais. Elas são pessoas invisíveis. Mulheres cuja mão de obra é associada ao nome do homem e não aos delas.
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AriadneE. Burne Jones, 1862
São mulheres que ajudam a crescer um empreendimento, mas que não são vistas. São trabalhadoras gratuitas em nome do que a gente considera a família tradicional, heterossexual e patriarcal, em que o homem comanda e se apropria da força de trabalho feminino.

Também constatamos esse tipo de comportamento quando observamos casais jovens e pobres. O homem pobre decide se casar com uma mulher pobre, mas que tenha força de trabalho para construir, com ele, um patrimônio considerável, que, mais tarde, dará a ele status e poder econômico. É igualmente comum que esse mesmo homem troque sua companheira por outra que possa dar visibilidade ao poder.

São muitas as Ariadnes. E os homens também podem ser Ariadnes. Ariadne é uma condição do ser humano carente, que entrega tudo o que tem, inclusive seu poder de barganha, sua força, sua mão de obra, em troca de um amor que possa ser correspondido. São pessoas que temem dizer “não” e receiam perder aquilo que talvez nunca tenham tido. São pessoas que dão presentes e tudo que possuem para conquistar um amor interesseiro. Talvez, qualquer dia, essas pessoas sejam abandonadas em alguma ilha.

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