Os chamados medalhões existem desde sempre. Mesmo nas cavernas já existiam aqueles que queriam parecer importantes, distintos e respeitáveis, enfim, merecedores da admiração dos demais, sobre os quais pretendiam exercer, em proveito próprio, uma espécie de ascendência ou superioridade. Os medalhões, sabemos, desejam estar sempre por cima, seja no grupo, seja na sociedade; enfim, eles almejam ser e parecer exatamente… medalhões.
Celyn Kang
Machado de Assis, nascido negro, pobre e obscuro em pleno Brasil escravocrata, mas dotado de uma genialidade inata e cultivada que logo cedo lhe permitiu compreender a sociedade em que vivia e o seu próprio lugar nela, tratou de, a seu modo, e discretamente, converter-se aos poucos em um medalhão, vencendo obstáculos e conquistando espaços, até se tornar o mais importante escritor nacional, alto funcionário federal e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, ápice de seu prestígio social, árdua e planejadamente alcançado. Entretanto, ressalte-se, para ele, tornar-se um medalhão não era uma questão de frívola vaidade mas de sobrevivência num ambiente totalmente hostil. Machado era um medalhão que, no íntimo, ria dos medalhões.
Primeiro, todo cuidado com as ideias, para uso próprio ou alheio; o melhor será não tê-las. O medalhão deve pensar conforme as circunstâncias e seus interesses, em qualquer área, principalmente na política, distribuidora dos cargos e sinecuras. Nem a favor do império nem da república, mas do governo do dia, conforme fez Custódio com o nome de sua confeitaria. Nem crente nem ateu, mas ambos, ou um e outro, de acordo com o momento. E assim por diante, com todos os assuntos. Nunca comprometer-se, nunca ser fiel a nada nem a ninguém, salvo a si mesmo, mas ter sempre um sorriso nos lábios e um gentil tapinha para as costas do interlocutor da hora. Lembrar-se sempre que o medalhão é um consumado ator: interpreta o papel que lhe é dado ou que lhe convém. É indispensável cultivar a arte de “pensar o pensado”. Nada de criar, inovar e menos ainda, Deus nos livre, revolucionar. O “status quo” é sagrado – e assim deve permanecer,
Celyn Kang
Quando discursar ou escrever, fazer largo uso dos clichês, dos lugares comuns, das frases feitas. “Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil”. Não esquecer que “o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário”. Uns brocardos jurídicos, umas sentenças latinas, uns provérbios consagrados também são muito úteis para enfeitar o falado e o escrito.
A publicidade é fundamental. Fazer-se sempre lembrado é importantíssimo, como diria o agregado José Dias. Estar nos jornais, nas revistas e em veículos semelhantes, principalmente estar, no bom sentido, na “boca do povo”.
Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos teus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo”.
@umsoplaneta
Quanto à política, pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, de preferência ao que estiver no poder e não importa mudar de filiação de vez em quando, pois o essencial é estar ao lado de quem pode nomear e demitir, prender e soltar. Os governos mudam e passam, mas o poder é sempre o mesmo; ser-lhe leal, pois, é prática de primeira necessidade. Os liberais e os conservadores diferenciam-se apenas quando na oposição; uma vez no poder, é tudo a mesma coisa, farinha do mesmo saco, poltrões e gatunos mais ou menos descarados. Cuida de ti, portanto, que deles eles próprios já estão cuidando.
Imaginação? Nenhuma.
Filosofia? Nenhuma.
Seriedade? Conforme.
Ironia? Nunca.
Filosofia? Nenhuma.
Seriedade? Conforme.
Ironia? Nunca.
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