Os chamados medalhões existem desde sempre. Mesmo nas cavernas já existiam aqueles que queriam parecer importantes, distintos e respeitáveis, enfim, merecedores da admiração dos demais, sobre os quais pretendiam exercer, em proveito próprio, uma espécie de ascendência ou superioridade. Os medalhões, sabemos, desejam estar sempre por cima, seja no grupo, seja na sociedade; enfim, eles almejam ser e parecer exatamente… medalhões.
Os medalhões, sabemos, merecendo ou não, gozam de muitos privilégios. Com sua habitual sisudez (não confundir com seriedade), máscara necessária à sua autoatribuída importância, impõem-se à credibilidade dos incautos como se fossem sábios ou possuidores de virtudes pessoais e cívicas incomparáveis. Parecem merecer, portanto, que se lhes tirem os chapéus (se os houvesse) e os mencionem em quaisquer solenidades, pois é inconcebível que passem “em branco” seja onde for. Pois do contrário, claro, não seriam… medalhões. Adoram ser chamados à mesa dirigente de quaisquer eventos públicos e privados, mas não fazem questão de falar, pois na maioria dos casos não têm o que dizer sobre nada.
Machado de Assis, nascido negro, pobre e obscuro em pleno Brasil escravocrata, mas dotado de uma genialidade inata e cultivada que logo cedo lhe permitiu compreender a sociedade em que vivia e o seu próprio lugar nela, tratou de, a seu modo, e discretamente, converter-se aos poucos em um medalhão, vencendo obstáculos e conquistando espaços, até se tornar o mais importante escritor nacional, alto funcionário federal e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, ápice de seu prestígio social, árdua e planejadamente alcançado. Entretanto, ressalte-se, para ele, tornar-se um medalhão não era uma questão de frívola vaidade mas de sobrevivência num ambiente totalmente hostil. Machado era um medalhão que, no íntimo, ria dos medalhões.
Assim, só ele poderia, com pleno conhecimento da matéria, criar uma “teoria do medalhão”, título do arguto conto em que narra como um certo pai ensina ao filho, que acabara de atingir a maioridade, o grande objetivo a perseguir na vida que se lhe abria, ou seja, como tornar-se… um medalhão. O interessante é que esse pai, que tudo sabia sobre a arte de se tornar um medalhão, não se tornou ele próprio um medalhão, pois, segundo ele, faltara-lhe, como faltou a Machado, um pai para ensinar-lhe o caminho. Portanto, tratasse o filho de aproveitar a sorte que tinha. E daí passou a dar as pertinentes lições, todas atualíssimas e universais.
Primeiro, todo cuidado com as ideias, para uso próprio ou alheio; o melhor será não tê-las. O medalhão deve pensar conforme as circunstâncias e seus interesses, em qualquer área, principalmente na política, distribuidora dos cargos e sinecuras. Nem a favor do império nem da república, mas do governo do dia, conforme fez Custódio com o nome de sua confeitaria. Nem crente nem ateu, mas ambos, ou um e outro, de acordo com o momento. E assim por diante, com todos os assuntos. Nunca comprometer-se, nunca ser fiel a nada nem a ninguém, salvo a si mesmo, mas ter sempre um sorriso nos lábios e um gentil tapinha para as costas do interlocutor da hora. Lembrar-se sempre que o medalhão é um consumado ator: interpreta o papel que lhe é dado ou que lhe convém. É indispensável cultivar a arte de “pensar o pensado”. Nada de criar, inovar e menos ainda, Deus nos livre, revolucionar. O “status quo” é sagrado – e assim deve permanecer, sempre, se possível. E se algo tiver que mudar, que seja para que tudo continue como dantes no quartel de Abrantes.
Quando discursar ou escrever, fazer largo uso dos clichês, dos lugares comuns, das frases feitas. “Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil”. Não esquecer que “o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário”. Uns brocardos jurídicos, umas sentenças latinas, uns provérbios consagrados também são muito úteis para enfeitar o falado e o escrito.
A publicidade é fundamental. Fazer-se sempre lembrado é importantíssimo, como diria o agregado José Dias. Estar nos jornais, nas revistas e em veículos semelhantes, principalmente estar, no bom sentido, na “boca do povo”.
Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos teus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo”.
Sair frequentemente nas colunas sociais, se as houver, meu Deus, nem se discute …
Quanto à política, pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, de preferência ao que estiver no poder e não importa mudar de filiação de vez em quando, pois o essencial é estar ao lado de quem pode nomear e demitir, prender e soltar. Os governos mudam e passam, mas o poder é sempre o mesmo; ser-lhe leal, pois, é prática de primeira necessidade. Os liberais e os conservadores diferenciam-se apenas quando na oposição; uma vez no poder, é tudo a mesma coisa, farinha do mesmo saco, poltrões e gatunos mais ou menos descarados. Cuida de ti, portanto, que deles eles próprios já estão cuidando.
Imaginação? Nenhuma.
Filosofia? Nenhuma.
Seriedade? Conforme.
Ironia? Nunca.
Pronto. Com isso, qualquer um, com sorte, pode se transformar num medalhão. Tais regras são quase infalíveis, segundo o sábio Machado, que as aplicou diligentemente a si mesmo, pois compreendeu como poucos o funcionamento da sociedade e a chamada “natureza humana”. Ele foi um medalhão e tinha consciência disso. Riu discretamente dos seus colegas, observando-os em suas espertezas e disfarces. Jogou o jogo de seu tempo – e de todos os tempos -, mas sem aviltar-se, mantendo-se sempre íntegro, pois sabia, ao contrário de muitos, antigos e contemporâneos, que “ao rei, tudo, menos a honra”. Existem, portanto, medalhões e medalhões. Cabe aos sábios distingui-los.
Filosofia? Nenhuma.
Seriedade? Conforme.
Ironia? Nunca.