As memórias são plantadas em nossas mentes ao longo da vida. Boas lembranças regadas são como jardins floridos, quintais cheios de frutas prontas para serem provadas a cada vez que visitam a nossa mente. E elas trazem além de sabores, cheiros, presenças. Pela vida, podemos revisitar muitos plantios, reencontrar flores e frutíferas de outras épocas que vivem nas nossas realidades. É quase possível tocar a terra onde a raiz nutria o resto da planta, sentir o vento, molhar as mãos durante o regar da vida.
O pé de pimenta malagueta é uma lembrança. Os galhos cheios de frutinhos vermelhos ardidos semelhantes a dedinhos em um jardim. Era época de infância e ainda é possível sentir o cheiro da planta ao ser colhida. A pimenteira assemelha-se a uma árvore de Natal pequena junto ao canteiro da casa.
Fim de tarde era horário para regar as plantas de todos os tipos, incluindo a pimenteira. Rosa vermelha e branca, as nove-horas e tantas outras de coloração do amarelo ao roxo. Enquanto a noite se aproximava, com a baixa do calor, seguia de balde cheio na mão percorrendo o trajeto da umidificação da terra, do molhar os troncos, embeber as folhas. Idas e vindas levando água para matar a sede do jardim, que retribuiria com flores e alegria. A rotina era tarefa dada pelo pai e cumprida com prazer, pois permitia um instante de contemplação do jardim.
Da adolescência há a visita das lembranças do grande cajueiro a dar sombra que projetava-se por quase todo o quintal e fornecer bacias de cajus vermelhos suculentos e castanhas deliciosas. Plantado ainda muda, encontrou o solo perfeito para crescer, espalhar-se em galhos, frutificar. Cajus com o travor ideal, o doce na medida certa, em sucos ou só o fruto. O cajueiro era uma espécie de senhor do quintal, pois dominava o cenário.
Contudo, o quintal era de terra boa e abrigava uma série de outras árvores frutíferas. Um pé de goiaba vermelha num recanto, um coqueiro com cachos de cocos de água doce em quase ao centro e um outro junto ao muro, um limoeiro mais afastado, um pé de maracujá que derramava feito um lençol pelo muro lateral.
Da mesma época, o jardim era outro mundo de plantio de lembranças. Um jasmim natal roxo frondoso anualmente desafiava a dependurar uma fiação para luzes coloridas para os festejos natalinos. Com cuidado, era preciso passar o fio por entre galhos que arranhavam o corpo. Em seguida, uma a uma ia pendurando as pequenas lâmpadas azuis, vermelhas, verdes, laranjas e amarelas. E as noites ganhavam tons festivos entre dezembro até o Dia de Reis de janeiro seguinte, quando o trabalho inverso de desmontar e encarar novos arranhões das galhas do jasmim era uma demonstração da mudança do calendário.
Vizinha do jasmim vivia uma enorme roseira vermelha e uma espirradeira A primeira protegida por galhos cheios de espinhos, a segunda pelas próprias folhas tóxicas. Ambas com suas belezas e ameaças ornavam o jardim. Tanto o aguar como o observar o toque da chuva era observação sobre a renovação da vida. Em jardins e quintais através das plantas se faz poesia.
Em memórias plantadas, recebe-se visitas de vidas passadas. E trazem junto perfumes, pessoas, sorrisos, olhos, revivem em projeções interiores renascendo em novos plantios.