Fernando Moura encerrou o ano, como seria de esperar, não só de um gestor consciente da responsabilidade do lugar a si confiado, como, antes disto e superior a isto, de um cultor estudioso e impenitente do relicário de valores da Paraíba. Como jornalista, escritor, editor, expert da comunicação, a demanda de fregueses em seu antigo escritório, num 1º andar da praça que felizmente sobrou, nesses tempos, para o grande Antenor Navarro, lá a procura era mais de maníacos da preservação histórica, das relíquias memoriais da cidade do que dos interesses mais imediatos. Encerrou o ano com a fortuna crítica hoje possível sobre a obra A Paraíba e seus problemas, nestes seus cem anos de vitaliciedade sempre recorrente.
Reúne desde a repercussão imediata das 1ª e 2ª edições, esta última prefaciada por Josué de Castro (1937). E treze anos depois da leitura universalizada de Gilberto Freyre, que despertou logo para o principal, o essencial, muito acima das coisas mutáveis, sentindo num livro de ensaio o “sabor trágico de romance russo”. Ou seja, o estilo único, nem inteiramente clássico nem inteiramente moderno, tão somente de José Américo, do seu modo de ser, de sua natureza, do seu temperamento, do verbo que se fez carne, como pude sentir na leitura da minha adesão ainda jovem do seu discurso.
Leitura? Não era apenas e tão somente leitura. Do caminhão improvisado como tribuna, na praça de Alagoa Nova, eu com Casimiro de Abreu, Castro Alves e Alvares de Azevedo a esquentar minha cabeça, pela primeira vez senti o peso, o efeito transformador desse verbo que levou Gilberto Freyre a se lembrar do bordão russo.
É importante realçar, hoje, agora, num mundo em que a globalização voraz do capital usurpa-nos a própria língua (não há mais placa ou apelo de loja em português, ) enfatizar, repito, o conhecimento de nós mesmos. No nosso caso particular de paraibanos, não há apelo mais vivo, vibrante até, do que a leitura desse estudo centenário. Nem tanto pelo que possamos conhecer das nossas geografia, geologia, ecologia, economia, sempre sujeitas a dados novos, mas, sobretudo, do nosso temperamento, do caráter, do modo de ser paraibano, que é o essencial em todos os capítulos, mesmo os que tratam das ciências físicas.
E onde permanece isto no livro de 1923? No estilo do autor, no homem que está por trás de todos os estudos e pesquisas. O que sustenta o livro, o que o mantém aberto à leitura das gerações dos mais diferentes modismos é o estilão de um escritor-orador visto e compreendido pelas melhores luzes do país como o mais representativo homem do Nordeste.
Não devemos desmenti-lo quando se define como escritor: “Sentei-me na terra, conversei com instintos e preconceitos e dei uma nota social ao quadro”. Isto referindo-se a A Bagaceira. Sobre A Paraíba e seus problemas, ele mesmo é quem diz: “...é o que tenho de melhor.”