Um tranquilo beija-flor estaciona no ar diante da flor no equilíbrio vertiginoso das suas asas. Permanece ali no beijo apaixonado enquanto a manhã de preguiça dominical adentra o dia e o sol atira raios para todos os lados. O pássaro permanece ali alguns instantes até encerrar a curta relação de amor e seguir para um novo encontro floral e, assim, satisfazer o desejo da natureza. Os olhos humanos atentos apreciam a dança do colibri e o vento que balança suavemente o galho em um quadro momentâneo. E perto dali jarros brotam exuberância. Colorem o papel da manhã que se abre e ordenam a flor que se liberte.
Já as castanholas próximas abanam a praça e protegem os bancos. O olho encontra um novo ângulo deitado no banco da praça, em que fotograficamente o verde se aproxima do azul intenso e, vez por outra, é cortado pelo voo preciso em curtas e retas de avoantes. E o celeste se veste de branco, por vezes, lançando sombreados no chão feito uma tela.
À tarde, o céu já se paramenta de cinza para trazer de volta a chuva com gotas de saudades. Pequenas presenças que se grudam às janelas, ao para brisas dos carros, que suavizam a pele, alimentam a seca terra. O cenário se molha rapidamente e traz a sensação de frescor numa antecipação da invernada, promessa de aguaceiros duradouros. Por enquanto, a precipitação é mínima, só para trazer lembranças numa pintura quase esquecida.
Vez por outra há o silêncio, sobretudo, o noturno. Quebrado pela passagem de um vento, pelo ronco do equipamento veicular, pela voz perdida de alguém que passa quase imperceptível pela esquina na hora de se recolher. Às vezes, um gato esbarra em jarros de muros ou telhas mal arrumadas e os cães se desesperaram e quebram o vazio sonoro. Da agitação até uma nova calmaria, dá quase para tecer pinceladas sob o céu de pequenos pontos de luz e a grande lua a se preparar para se encher sob a mesma velha e bela moldura.
O mesmo mundo agora é noite alta. As ruas esvaziam-se num recolhimento voluntário pedido pelos corpos. As linhas se esfumaçam aos olhos cansados cujas pálpebras pendem forçando seguir a estrada do sono. Ali, onde os sonhos contam segredos para serem esquecidos ao fazer-se dia, ao retornar-se de outras existência e só trazermos reminiscências feito uma aquarela indefinida, mas bela.
Ao longo do percurso, há sempre detalhes. Suave cinza chuvosa que abraça os tijolos pintados de branco e escorrem por incolores estradas para matar a sede dos olhos cansados que pedem o velho beijo da lágrima. E vez por outra a vida explode em cores.