Houve um tempo em que minha mãe se incomodava muito com a algazarra feita por filhos, netos e agregados nos dias em que todos se reuniam, por ocasião de algum feriado ou data comemorativa. Sua casa sempre foi impecável, tudo limpo e em seus devidos espaços.
Com uma família numerosa, nas quatro festas do ano, por assim dizer, a casa se enchia. E quando o último ia embora, tudo estava fora do lugar. Restavam a sujeira no chão, a mesa desfeita, as cadeiras espalhadas pela cozinha e a pia abarrotada de louças.
Para nós, quando ainda crianças, o melhor tempo de nossa casa era a época do final de ano. Minha mãe economizava por meses inteiros para poder pintar, sempre com uma cor chamativa, pelo menos a fachada do velho casarão no qual morávamos, bem no centro da cidade. Às vezes, dava até para adquirir um móvel qualquer. Ainda hoje consigo sentir o cheiro de madeira nova de um guarda-roupa ou de um conjunto de mesa e cadeiras comprado a duras penas. Tudo muito simples, mas novinho em folha.
A casa tinha cortinas nas paredes dos quartos e, nas da sala, quando nuas, eram inúmeras as fotos de família. Muitos eram os jarros cheios de flores baratas, de plástico, bem coloridas, a enfeitar o ambiente.
Essa época do ano coincidia com a festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição. A quermesse, a procissão e a missa eram o ponto alto da festividade religiosa, que, à noite, convertia-se em profana, com o pavilhão armado na praça, em que as pessoas bebiam e comiam galinhas arrematadas nos leilões conduzidos por meu pai. E ainda tínhamos o parque de diversões e o ruge-ruge das pessoas subindo e descendo a rua principal.
Por ironia do destino, nos últimos tempos, minha mãe passou a reclamar da solidão e do silêncio em que vive. Praticamente, todos aqueles de sua geração já se foram. Os filhos, agora ocupados em manter o próprio lar em ordem e bem administrado, já não podem, como antes, encher a casa dela, fazer zoada e bagunçar suas coisas. Tudo está posto, limpo e bem arrumado, nos mesmos cômodos. E, dia após dia, ela espera o que não mais virá. Em alguns poucos momentos de lucidez, ou de delírio, quem sabe, ela pergunta: Cadê meu pai? Para onde foi minha mãe? E minhas irmãs, por que não vêm mais aqui?
Aos poucos, ela vai silenciando, porque não há mais assunto sobre o qual falar com os de agora, que vivem com a cara metida no mundo virtual proporcionado pelo celular de mil e uma utilidades. Para ela, o presente é moroso, repetitivo e sem noção, restando-lhe as lembranças esparsas e confusas do seu passado mais remoto. Nem o barulho que se faz nos dias do seu aniversário, quando todos vêm lhe cantar parabéns, tem qualquer significado e muito menos lhe incomoda.
Tenho medo de que essas cenas se repitam comigo. De repente, percebo também minha casa ficando vazia. Os filhos agora já têm uma casa com a qual se preocupar. Olho as fotografias nas paredes e as flores, não de plástico, que teimo em manter vivas, no jarro que foi dela, presente dado em um dia das mães, há mais de 50 anos.
É final de mais um ano e é também Natal. Neste, não fui à festa da padroeira e nem à procissão, no entanto, meu pensamento refez todo o itinerário do que foi esse passado, tão distante e, ao mesmo tempo, tão perto de minhas reminiscências.
Mais um final de ano e a casa está cada vez mais vazia, assim como a da minha mãe.