Não costumo buscar senha para atendimento “preferencial” em bancos nem nas Casas da Cidadania que os Poderes Públicos instalam, desde 2001, para tratos que vão do emplacamento do carro ao título de eleitor. Refiro-me ao ambiente único onde prestam serviços individuais ao distinto público os governos federal, estadual e municipal, além dos cartórios e das concessionárias de telefone, água e luz.
O indivíduo que sou já descobriu que a pequena reserva de guichês desmoraliza o propósito da distinção a idosos, gestantes, lactentes e portadores de deficiências, ou seja, ao conjunto de seres para os quais houve a sanção da Lei 10.048/2008. Já percebeu, também, que uma barrigudinha, quando nessas filas, pode valer por dois sujeitos bem adentrados nos anos, merecidamente, ressalto. Deve ser mesmo delas e dos frutos de seus ventres, preferencialmente, o mundo em que hoje vivemos. Afinal, ao contrário dos que já se despedem, trazem em cada barriga suas ânsias de futuro.
“O senhor pode retirar a senha especial”, avisou-me, solícita, a moça do banco onde recebo o benefício da aposentadoria decorrente do fim da longa militância nos jornais. A meu pedido, o filho que então me acompanhava extraiu da máquina a senha compatível com seus trinta e poucos anos. A dele foi chamada quase no instante da minha.
Rimos e partimos para o guichê. Ali, verifiquei que sou invisível. Era ao meu caçula a quem o atendente sempre se dirigia. Procurei disfarçar o aborrecimento com um ar de riso, ao pedir a ele: “Você pode tratar comigo. A conta é minha”.
Não era a primeira vez que isso me ocorria. Tempo atrás, a nutricionista que me fora recomendada para o controle do diabetes parecia prescrever à minha mulher o corte de carnes, legumes, frutas e carboidratos. Éramos três na sala, mas ela não me via. Fiz com que soubesse da minha existência: “O paciente sou eu, doutora. Consigo ouvir, entendo o que ouço e sou obediente”. A única mentira estava nessa terceira afirmativa. Tive, depois disso, uma companheira constrangida a caminho de casa: “Você me mata de vergonha”.
O moço do banco não deixou por menos. Sutil, informou que a leitura das minhas digitais na próxima retirada, via caixa eletrônico, me evitará a prova de vida à Previdência. Respondi que isso seria desnecessário se não fosse a burrice de um sistema que não interliga seus bancos de dados. Recebo outro salário no setor público, uso cartão de crédito nas minhas compras diárias e declaro meus rendimentos ao Leão que, aliás, abocanha boa parte deles. A Previdência bem poderia saber disso.
Pus-me a perguntar que mundo é este que não enxerga os que envelhecem, até outro contratempo, pasmem, restaurar meu bom humor e minha autoestima. Pois bem, a Prefeitura acha que rejuvenesço.
Isso mesmo. Estou a remoçar. Deixarei de ser idoso, exatamente, à meia-noite do próximo dia 17. Acreditam não? Tampouco eu, mas é o que me faz supor o prazo de validade impresso no meu Cartão de Estacionamento, aquele que a Secretaria de Mobilidade Urbana, a velha Semob, nestes dias de trânsito municipalizado, concede a quem tem idade a partir dos 60 para vagas especiais na Zona Azul e em outras zonas, assim deixassem as disposições orgânica e moral.
O que explica o fim da validade de um cartão de idoso para quem já é velho? A morte, responderão muitos. Neste caso, porém, o defunto em questão somente pode tomar dois destinos: a porta do Inferno, ou do Céu, com possível desvio pelo Purgatório. Em ambos os casos, todavia, a Semob terá a preocupação também finada.
Mas alguma razão há para a expiração do cartão emitido anos atrás, depois de certa maçada em guichê da Casa da Cidadania onde me exigiram fotos, documentos pessoais e título de propriedade do carro. Antes disso, fui ao studio do Manaíra Shopping indicado pela atendente, em razão de estar fora do ar o sistema de computação da Semob, com sua câmara. “Ou o senhor providencia fotografia em papel e volta depois, ou pode aguardar sentado, aqui mesmo, o restabelecimento da internet”, sugeriu a moça. Decidi pagar por uma dúzia de fotos, quantia mínima exigida pelo studio para o atendimento solicitado. Outra coisa que não entendo: por que não dez? Por que a dúzia é medida consagrada nesse ramo?
Mas voltemos à questão que não me passa, evidentemente, pela mínima ideia da regressão no tempo, façam as autoridades o juízo que fizerem de cada um de nós em ano eleitoral, em temporada de caça ao voto, como assim era. A bajulação ao eleitor não chegaria, certamente, a este ponto.
Por conseguinte, só encontro uma explicação. E ela remete ao costume perverso da taxação repetida pelos governos de tudo aquilo que lhes seja possível. Não é mesmo?