Foi em meados de 1990. Um carro parou diante da casa modesta do bairro de Cruz das Armas, em João Pessoa, e dele desceu um casal muito jovem e bem vestido. A moça trazia nos braços um enorme buquê. A dona atendeu ao tilintar da campa: “É da casa de Dona Carminha?”, perguntou o rapaz, para ouvir a resposta da atendente curiosa e espantada: “É, sim. O que desejam?”.
Acesso permitido, visitas instaladas no sofá, lá veio a explicação: “Estamos, aqui, para entregar essas flores que Roberto Carlos mandou para a senhora”.
Minha Tia querida, evidentemente, quase morreu de susto. Ainda tomava pé da situação, quando lhe veio outro brinde: dois ingressos para o show no Forrock, um para si e outro para a filha Gláucia.
Ah, a Gláucia... E Tia Carminha começava a matar a charada. Isso era coisa da filha. Mas, afinal, o que fizera a mais sapeca das suas quatro crias a ponto de aquele a quem chamam de “Rei” despachar portadores à sua porta com flores e ingressos?
Tão logo os visitantes se foram, a irmã mais velha do meu pai correu ao telefone para a convocação da filha, moradora do mesmo bairro, o que lhe favorecia o pronto atendimento. Depois de acalmá-la, Gláucia contou a seguinte história. Havia lido numa dessas revistas de fofocas que Roberto Carlos, quando no Rio de Janeiro, acompanhava Maria Rita à Missa dominical da Igreja da Penha. Apaixonadíssimo, garantia prestígio ao sermão do vigário de quem a mulher era parente, ou amiga, não sei direito.
Pois bem, a primeira filha da Tia Carminha, definitivamente, fez jus à fama de dona de mil artes conquistada, desde pequena, em meio à família e aos amigos. Narrou, em carta a Maria Rita o quanto a mãe, passada, já então, dos 70 anos, adorava Roberto. Tanto que, além de comprar todos os seus álbuns, ainda mantinha no quarto, coladas à parede, dezenas de fotografias do cantor, amplas, brilhantes, coloridas. Duvidava de que alguma menina, nos dias atuais, tivesse quarto assim decorado com fotos do ídolo. Além do mais, as músicas de Roberto ajudavam a mãe a matar a saudade de Antonio, o marido subtraído mais cedo de sua existência.
Descreveu essa paixão de adolescente da setuagenária senhora, envelopou o conteúdo e pôs tudo num envelope bem maior, este último endereçado ao Padre – de quem a tal revista havia publicado o nome – com o pedido de entrega da cartinha a Maria Rita. E assim foi feito, conforme atestavam as flores e os ingressos.
Noite do show, Forrock superlotado, músicas aos turbilhões, plateia extasiada, vem o intervalo e, com ele, o aviso ao microfone: “Dona Carminha e Gláucia. Roberto Carlos convidam vocês ao camarim”.
Lá se foram aquelas duas imprensadas em corredores onde pessoas endinheiradas, gente dos meios empresariais e políticos aguardavam os autógrafos. Simpaticíssimo, o Rei distribuiu com ambas afagos e abraços, com direito “ao beijo da Maria Rita”.
Uma pausa para um momento triste: “Agora, posso morrer feliz”, comentou Gláucia, na ocasião, próxima dos 40 anos de idade. “Que história é essa de morrer, menina. Você ainda tão nova?”, perguntou Roberto. Minha prima, muito acima do peso e com a diabete em fase letal, contou, então, que tinha pouco tempo de vida. Lastimou que a doença não lhe permitisse chegar ao fim enxergando a família, os amigos e o mundo. Já estava cega de um dos olhos.
A morte bateu-lhe à porta, alguns meses depois, sem conseguir, porém, tudo o que queria. Gláucia viu o semblante de cada familiar até o último fôlego. Cirurgia bancada por Roberto Carlos, num dos melhores hospitais de São Paulo, salvou-lhe a vista direita.
Por que tudo isso, agora, me vem à mente? Acho que por conta do último show natalino de Roberto Carlos, o espetáculo de fim de ano que há décadas tem reunido as famílias diante do televisor, à beira da madrugada.
Pode ser, também, em razão do choro da prima Ruth, a segunda filha da nossa querida Carminha, ao me lembrar, dia amanhecido, dos onze anos da morte da mãe. O comentário da minha mulher, quando da terceira, ou quarta canção do show, acerca do grande amor de Roberto por Maria Rita, também pode ter ocasionado esta minha lembrança. Seja como for, isso bem que me dói.