A concepção médica da morte está fundamentada em critérios científicos que indicam a cessação irreversível das funções vitais do organismo. Para a medicina contemporânea, há dois principais tipos de morte: a morte cerebral e a morte clínica. A primeira ocorre quando há uma completa e irreversível perda de atividade cerebral, uma vez que o cérebro é fundamental para a regulação das funções vitais do corpo, como a respiração e a função cardíaca. O diagnóstico desse tipo de morte é feito com base em critérios rigorosos, como a ausência de atividade cerebral mensurável por eletroencefalograma e a confirmação de que a condição é irreversível. Já a morte clínica acontece quando há a cessação irremediável das funções cardíacas e respiratórias. Historicamente, o coração parado era o principal indicador de morte. Atualmente, porém, a morte cardíaca é confirmada por critérios bem mais rigorosos, que podem incluir a ausência de pulso e de atividade cardíaca detectável.
A definição de morte evoluiu ao longo do tempo, em função dos avanços na tecnologia médica. O conceito de morte cerebral ganhou destaque nas últimas décadas devido ao desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas para medir a atividade cerebral. Hoje a medicina considera a morte como um evento processual, não instantâneo. Antes de ser declarada, protocolos médicos rigorosos são seguidos, sendo a sua confirmação decisiva para fins clínicos e éticos, como na tomada de decisões sobre doação de órgãos e na prestação de cuidados paliativos.
Sócrates enxergava a morte com serenidade, crendo na imortalidade da alma. No "Fédon", ele considera que ela era a libertação da alma em relação ao corpo, uma jornada para o mundo das ideias, o que contrasta com a visão de Epicuro, que via a morte como o fim da consciência. Segundo ele, não deveríamos temer a morte, pois ela não traz dor. Seu foco estava na busca do prazer moderado e na tranquilidade mental ou ataráxica durante a vida. Sêneca encarava a morte como uma parte natural da existência e incentivava a reflexão sobre a finitude da vida para que se pudesse viver de maneira mais significativa.
Para Tomás de Aquino a morte não era apenas um evento futuro, mas uma realidade que deveria moldar a vida presente. Enfatizava a importância de se viver de acordo com os princípios éticos e morais, preparando-se sempre para a jornada da alma após a morte. Schopenhauer, influenciado pelo pensamento oriental, via a morte como parte integrante do sofrimento humano inerente à existência. Considerava a negação do desejo como um caminho para transcender o sofrimento, inclusive o associado à morte.
Nietzsche abordou a mortalidade de maneiras diversas, proclamando a ideia do "eterno retorno", e sugerindo que, se a vida é finita, ela deve ser vivida de maneira intensa e autêntica. Também questionou as noções tradicionais de vida após a morte, considerando-as como formas de escapismo. Pensadores como Heidegger e Sartre, distanciaram-se ainda mais da perspectiva religiosa sobre a morte. Heidegger abordou a mortalidade em sua obra "Ser e Tempo", examinando a finitude da existência humana, e destacando a importância de se confrontar a própria mortalidade para que se possa viver uma existência autêntica. Por sua vez, Sartre considerou a morte como parte inerente da condição humana, argumentando que a consciência da finitude é fundamental para a responsabilidade pessoal.
Martin Heidegger
/ Jean Paul Sartre Granger Collection
No Xintoísmo, a visão sobre a morte é influenciada por uma compreensão animista e reverencial da natureza. Em sua cosmogonia, os kami são divindades ou espíritos que podem residir em elementos naturais, objetos, lugares e até mesmo antepassados. A morte é vista como uma transição para a esfera dos kami. Para os xintoístas, a morte é considerada como parte natural do ciclo da vida e da natureza. Ela não é vista como o fim, mas como uma continuação em uma forma espiritual.
Para o hinduísmo, a vida é um ciclo contínuo de morte e renascimento, conhecido como Samsara, onde a morte é considerada como uma transição para outra forma de existência, determinada pelo karma acumulado durante a vida anterior. Ao morrer, cada um colhe as consequências das ações passadas e inicia um novo ciclo de vida com base no karma. O objetivo final, segundo o hinduísmo, é alcançar a libertação do ciclo de reencarnação. Nessa perspectiva, a morte é considerada como uma oportunidade para se progredir espiritualmente em direção ao estado de libertação do Samsara.
O budismo ensina que tudo na vida é impermanente, incluindo a própria vida. A morte é vista como uma parte natural desse processo de mudança constante. Aceitar a impermanência é considerado essencial para alcançar a compreensão profunda da realidade. A morte não é o fim definitivo, mas uma transição para outra forma de existência no ciclo de renascimento. A qualidade das ações durante a vida atual influencia decisivamente a natureza do próximo renascimento. A busca pela libertação do ciclo de renascimento é guiada por essa compreensão e pelas práticas que visam a iluminação.
No judaísmo, a visão da morte é moldada por diversos costumes e ensinamentos presentes nas Escrituras e na tradição judaica. Algumas correntes, como o Judaísmo Ortodoxo, acreditam na ressurreição dos mortos no Messias, enquanto outras, como o Judaísmo Reformista, tem crenças mais abstratas sobre uma existência espiritual após a morte. O judaísmo enfatiza a importância da vida nesta Terra e a responsabilidade do indivíduo perante Deus e a comunidade. A atenção é dada à prática da justiça, caridade e estudo da Torá durante a vida terrena.
Na visão cristã sobre a morte, a alma é imortal. Após a morte física, a alma passa para uma existência eterna. Nos Evangelhos, a concepção sobre a morte está centrada na ideia da vida após a morte e na importância da fé. Os Evangelhos enfatizam a ressurreição e a promessa de vida eterna para aqueles que creem em Jesus, proclamando que aqueles que seguem seus ensinamentos não morrerão, mas terão vida eterna. A morte, portanto, é vista como uma passagem para uma existência além desta vida terrena, com o julgamento final sendo um aspecto crucial desse entendimento.
Nas Epístolas do Novo Testamento e no Livro do Apocalipse, a abordagem da morte se concentra em temas como redenção, salvação e juízo final. Em suas Epístolas, Paulo destaca a importância da morte de Jesus na cruz como um meio de reconciliação e perdão dos pecados, oferecendo a promessa de vida eterna aos crentes. A morte é vista como uma transição para uma realidade espiritual, onde a fé desempenha um papel fundamental. No Apocalipse de João, a morte é abordada no contexto do julgamento divino, enfatizando o juízo sobre os homens e a vitória de Deus sobre o mal. A ressurreição dos mortos e a derrota da morte são os temas proeminentes, apontando para um futuro onde não haverá mais dor, sofrimento ou morte para aqueles que pertencem a Deus.
No cristianismo católico, a morte é vista como uma passagem para a vida eterna e é encarada à luz da fé. A Igreja Católica ensina que a morte física não é o fim definitivo da existência, mas uma transição para a vida após a morte. A ressurreição dos mortos e a vida eterna são elementos centrais na compreensão católica da morte. Os católicos acreditam no juízo final, onde as almas serão julgadas com base em suas ações e fé durante a vida. O Catecismo da Igreja Católica destaca a importância da preparação para a morte, incluindo a confissão dos pecados e a participação nos sacramentos, como a Eucaristia.
Na concepção reformada do cristianismo, a morte é fundamentada nas doutrinas da soberania de Deus, na salvação pela Graça mediante a fé em Jesus Cristo e na autoridade das Escrituras. A morte é considerada como parte do plano redentor de Deus. Através da morte de Cristo na cruz, os crentes são redimidos de seus pecados. A confiança na suficiência da Palavra de Deus, conforme encontrada na Bíblia, é uma fonte de consolo na visão reformada sobre a morte.
No islamismo, a morte é vista como uma parte natural da vida e como uma transição para a vida após a morte. Os muçulmanos acreditam que a morte é parte do plano divino. A crença na vida após a morte, conhecida como "Akhirah", é fundamental no islamismo. Após a morte, os indivíduos serão ressuscitados e julgados com base em suas ações durante a vida. Aqueles que praticaram o bem serão recompensados com o Paraíso, enquanto aqueles que seguiram um caminho contrário podem enfrentar a punição no Inferno. Os fiéis muçulmanos são encorajados a se preparar para a morte ao seguir os ensinamentos do Islã, incluindo a prática regular da oração, a caridade e a obediência aos mandamentos de Allah.
Na tradição sufi, que é a vertente mística do Islã, a morte é vista como uma jornada espiritual em direção à união com o Divino. Os mestres sufis falam sobre a necessidade de "morrer antes de morrer", o que se refere à morte do ego ou do “eu inferior”, permitindo que a alma se liberte das preocupações mundanas e se una a Allah de maneira mais profunda. A morte é vista como uma oportunidade para a alma se libertar das ilusões do mundo material e buscar uma união mística mais íntima com Deus. Este processo de "fana", ou aniquilação do ego, é visto como essencial para alcançar a "baqa", ou subsistência na Divindade. A prática sufi do dhikr, que envolve a repetição rítmica e contemplativa do nome de Deus, é considerada uma maneira de preparar a alma para a morte, transcendendo as preocupações mundanas e alcançando um estado de comunhão espiritual. Os poetas sufis usam metáforas poéticas para descrever a morte como uma transformação ou um renascimento espiritual. Essas metáforas destacam a ideia de que a morte não é o fim, mas uma passagem para uma realidade espiritual mais profunda. A morte é descrita em termos de amor divino, onde o amante, a alma, busca a união com o Amado, Deus. Essa abordagem romântica destaca a busca espiritual como uma jornada de amor e entrega.
No zoroastrismo, a visão da morte está relacionada ao dualismo entre o bem e o mal, personificados nas divindades Ahura Mazda, o Deus Supremo, e Angra Mainyu, o Espírito Maligno. Após a morte, os zoroastrianos acreditam que a alma enfrenta um julgamento póstumo, onde suas ações durante a vida são avaliadas. A alma é conduzida através da Ponte Chinvat, onde as boas ações a ajudam a atravessar para o Paraíso, enquanto as más ações podem levá-la para o Abismo. O zoroastrismo enfatiza a luta constante entre as forças do bem e do mal. A morte é vista como uma consequência dessa luta, onde as almas são recompensadas ou punidas de acordo com suas escolhas éticas. O zoroastrismo também acredita em uma visão escatológica que envolve a vinda do Saoshyant, o Salvador, e a ressurreição dos mortos.
Na tradição umbandista, a morte é vista dentro de uma perspectiva espiritual, ancestral e sincrética. A morte não é tida como o fim, mas como uma transição para uma vida espiritual, com os espíritos dos falecidos mantendo uma conexão com o plano espiritual. A umbanda valoriza a comunicação e a interação com os ancestrais, realizando rituais específicos para marcar a passagem dos entes queridos para o plano espiritual. Esses rituais podem envolver oferendas, cantos, danças e outras práticas destinadas a facilitar uma transição harmoniosa para o mundo espiritual.
Em sua concepção tradicional, os indígenas brasileiros veem a morte como parte natural do ciclo da vida. A transição da vida para a morte é considerada por eles apenas como uma mudança de estado, e não como um fim absoluto. A morte é uma devolução à terra, um retorno ao ambiente natural, e os rituais praticados refletem essa relação íntima. Muitas tradições indígenas acreditam na presença contínua dos espíritos dos falecidos. Os ancestrais são vistos como forças sagradas, tendo influência sobre a vida cotidiana das comunidades, sendo honrados através de rituais específicos. Na tradição Tupinambá, a morte é uma passagem para um local sagrado e encantado.
Na visão espírita, a morte é vista como uma transição natural da vida, uma mudança do estado físico para o espiritual. O espírito sobrevive à morte do corpo e continua sua jornada em outro plano, conhecido como mundo espiritual. A reencarnação é um conceito central, sugerindo que os espíritos passam por várias encarnações para poderem evoluir espiritualmente. A morte é interpretada como um processo natural e parte integrante da jornada espiritual.
Em resumo, os religiosos ou espiritualistas em geral, sendo coerente com aquilo que professam e com o que suas respectivas vertentes lhes ensinam, nunca deveriam temer a morte, e sim as consequências dos seus atos após a morte.
Na arte, a morte encontra expressões eloquentes. Pinturas, esculturas e obras literárias capturam a diversidade de experiências associadas a ela. Em "A Morte de Ivan Ilitch", novela escrita por Tolstói, Ivan Ilitch Golovin, um juiz de tribunal que vive uma vida convencional e superficial, tem a vida marcada por uma série de escolhas baseadas em convenções sociais e expectativas externas, mas que não refletem seus verdadeiros desejos e valores. Um dia, Ivan descobre que está gravemente enfermo com uma doença terminal. Ao enfrentar sua própria mortalidade, questiona o significado de sua vida, e percebe que muitas de suas escolhas foram ditadas pela sociedade e não por uma busca autêntica de propósito e felicidade. A obra aborda o medo humano da morte e como a sociedade muitas vezes evita encarar essa realidade inevitável. Ivan Ilitch enfrenta seu próprio terror ao perceber que viveu sem autenticidade e que a morte é uma realidade inescapável.
Algumas expressões artísticas plásticas igualmente sintetizaram sentimentos sobre a morte e o morrer de modo contundente. A pintura “Triunfo da Morte", de Pieter Bruegel, mostra uma representação visual da morte triunfando sobre a humanidade, com imagens de esqueletos conduzindo pessoas de todas as esferas da vida à sua inevitável conclusão. A escultura “Transi de René de Chalon", de Ligier Richier, é uma representação artística da decomposição do corpo, refletindo a transitoriedade da vida e a inevitabilidade da morte. A seu turno, Jean-Antoine Houdon esculpiu uma versão da famosa cena da morte de Jean-Paul Marat, um político contemporâneo da Revolução Francesa. A escultura transmite uma sensação de tragédia e martírio, destacando a morte como um tema central.
Apesar da concepção científica dominante ainda ser cética, a maior parte da população mundial acredita na vida após a morte. Um estudo feito pelo “Fórum Pew para religião e vida pública” dá conta que os percentuais somados de cristãos, mulçumanos, hindus e budistas perfazem 75,8% da população mundial. O curioso, porém, é que, apesar da crença aparentemente predominante na sobrevivência da consciência, a maioria das pessoas vive apavorada com a morte, o que nos recorda o genial soneto “O Eterno Enigma”, escrito pelo poeta que se oculta no pseudônimo “Índio do Prado”:
Se vida é ter a gente a alma retida
No cárcere do corpo de tal sorte
Que a ele fique assim sempre rendida
Então a vida não é vida, é morte!
Se morte é o eximir-se a alma do forte
Grilhão da carne, alando-se em seguida
Para o alto céu num rápido transporte
Então a morte não é morte, é vida!
Se vida é, da alma, a escravidão que a humilha
Treva que envolve a estrada que palmilha
Se morte é a mutação de sua sorte
E a volta sua, livre, à luz perdida
Por que esse apego que se tem à vida?
Por que esse medo que se tem da morte?