Tenho refletido sobre a velhice, ao me deparar com o avançar do tempo que recai sobre todos nós – de crianças a adultos, incidindo com mais força a quem já passou dos 60 anos. Embora envelhecer seja encarado como um processo biológico, prefiro enxergar sobretudo pela perspectiva, deveras clichê – mas quem disse que os clichês não têm o seu valor e seu caráter de verdade, ainda que relativo? Refiro-me ao fato de que o envelhecimento é mais lamurioso quando abandonamos a potência de ser, de sonhar, do deslumbramento diante da vida.
Esse encantamento diante do presente-passado-futuro, quando o perdemos, seja aos 30, 70, 90, é o que contribui fortemente para que nossos olhos fiquem tão parcos de brilho quanto a pele de colágeno, aí não adianta quantos procedimentos estéticos façamos, pois n’alma não é possível realizar plástica recorrendo a médicos. A recomendação é se agarrar a quem amamos, ao universo de possibilidades que temos diante de nós, ainda que não tenhamos mais tanto tempo.
Perguntaram a José Saramago o que ele gostaria após ter recebido tantos prêmios e glórias. Sua resposta foi rápida: tempo. Ele que é autor da frase “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Com a vida acelerada, podemos nos sentir mais à frente tal qual o personagem vivido por Adam Sandler no filme Click, uma metáfora tragicômica para refletirmos sobre como nosso anseio por antecipar momentos pode nos levar ao esvaziamento da experiência realmente vivida, pois cada vez mais me convenço de que o que vale nesta vida são os laços que cultivamos, as amizades construídas, o amor que entregamos e recebemos…
É preciso ter um olhar atento para a velhice, em especial na perspectiva capacitista. A Organização Mundial de Saúde até pouco tempo reconhecia esse estágio da vida como uma “doença”. Se por um lado as limitações ocorrem, há vantagens, como mais sabedoria, em tese, o desprendimento de querer provar para não sei quem não sei o quê. No entanto, a retirada da velhice da lista da OMS pode indicar, além de uma nova leitura sobre a senilidade, o sintoma do neoliberalismo, sobretudo em países em situação social como a do Brasil, em que se naturalizou uma pessoa ter que trabalhar depois dos 65 anos, por obrigação para pagar as contas, alguns até como motoristas de aplicativos, cujas condições de trabalho estão longe de serem as melhores.
Como dizem: viver tem seu ônus e seu bônus. Viver muito (com saúde) é um bônus que deveria ser concedido a todos os seres humanos, por uma questão de dignidade. É urgente um olhar empático – e simpático – para os nossos velhos. Se queremos viver, teremos que passar pelo envelhecimento. Que não seja da alma, que é mais do que manter “espírito jovem”, que não quer dizer cair no ridículo, mas se manter esperançoso, mesmo quando já tão calejados pelas desilusões e porradas da vida, pois, como disse a filósofa Simone de Beauvoir: “O homem não se justifica por sua simples presença no mundo. O homem só é homem por sua recusa em permanecer passivo, pelo vigor com que se projeta do presente para o futuro e se orienta para as coisas, a fim de dominá-las e dar-lhes forma. Para o homem, existir é refazer a existência. Viver é a vontade de viver".
Que não nos falte essa vontade, mesmo quando o viço do corpo não for mais o mesmo, quando as inclinações virarem declinações, quando o passo for mais lento, ainda há de haver tesão pela vida, o desejo de conhecer, de viajar, de namorar o outro de um novo jeito, sem aquela ansiedade e medo, mas com respeito, prazer em ser. Tenho dito a quem tenho encontrado: faça tudo o que quiser nessa vida, seja quem você é, viva como quiser, contanto que não faça mal ao outro, só não se prive da pulsão de vida que corre como um rio chamado tempo. Talvez a isso se dê o nome de liberdade. A morte nos espreita, mas a vida está aqui, no agora, nos convidando ao irrecusável encontro conosco.