Em 42 anos de túmulo, o de minha mãe, D. Antonina, só perdeu uma letra de seu nome. Seu retrato, impresso em louça que o neto, Fabiano, mandou gravar quando estudava no Rio, continua vivo, fiel. Dei uma olhada à direita, onde foi deixado Nathanael Alves e saí me apertando entre jazigos paredes-meia até dobrar a esquina onde Padre José Coutinho me detém com a réplica da vara com que cobrava a dívida com seus pobres no Ponto de Cem Réis.
Era um santo de fala e modos rudes no seu sacerdócio. Cumpria a missão que abraçou com uma autoridade que faltava pouco para a advertência. Quando já não podia com a gordura e saía à rua numa cadeira de rodas, vindicando de vareta na mão a ajuda para o seu instituto, nos tocava sem muita delicadeza, sem a humildade que transparece de São Vicente, a quem sempre era comparado.
Nos seus gestos, na sua maneira de viver, ia muito além da simplicidade agora pregada e praticada pelo papa Francisco. Muito além, no mais fundo da alma e mesmo na aparência: era um monsenhor desparamentado. Um dos seus contemporâneos, o decano dos jornalistas José Leal consagra-lhe em seu dicionário um tratamento pouco comum: “Devotou-se à assistência social, revelando-se dotado do verdadeiro espírito de São Vicente de Paulo. A Paraíba jamais resgatará a dívida que contraiu com esse santo varão”. Jamais, confirma o tempo.
Mas não era humilde nem manso quando baixava a vara no ombro dos que compunham a clientela que ajudava na sua obra. Eram intimados, fosse por ditame religioso ou de consciência social. Sua voz era forte como as suas convicções. Na rádio Tabajara, lendo a crônica, fugia à mística religiosa para se deter, em linguagem prosaica, nas miúças do povo pobre. Convertia-se num deles, só aparecendo por ser muito difícil deixar de ser Padre Zé.
Frequentava o jornal e me conheceu em minha iniciação como arrimo de família. Depois me viu muito em companhia de Nathanael, um de seus afilhados de confiança. Um dia me achou com a cabeça premida entre as mãos sem condições de alugar um quarto e sala para acolher minha mãe viúva, ex-senhora de engenho, cuja casa o inverno de Alagoa Nova botara abaixo. Ele mandou chamar-me por Júlio Coutinho, seu sobrinho, e hospedou-a com a irmã dele na casa em que moravam ao lado da paroquial até que os deuses me ajudassem a alugar o chalezinho que fui rever de volta do cemitério, 70 anos depois ainda de pé na Alberto de Brito, 41, de Jaguaribe.
Remontando às palavras do papa Francisco a falar de “proximidade”, mandando a Igreja sair à rua, só me lembrei do Padre Zé.
Por sua vez, o santo varão, como o saudou José Leal, continua a desafiar o tempo e os homens. A riqueza atingida pelo país com a globalização de uma das maiores searas alimentares do mundo ainda não consegue dispensar a varinha do nosso santo de cara um tanto abusada.