“Olhar o mundo geometricamente é mais simples”
(Raul Córdula)
(Raul Córdula)
Fui na exposição do artista plástico Raul Córdula (pintor, artista gráfico e crítico de arte), Energisa, 19 de outubro-18 novembro 2023. 80 anos de idade; 20 anos da Usina Energisa; 20 anos da sua mostra “antologia – 1963-2003”, a primeira de um artista paraibano na Usina.
Uma noite festiva, muito prestigiada por artistas e gente de cultura e amigos. Uma confraternização da história desse artista singular e do seu tempo revisitado. Uma exposição dividida por tempo, épocas, representada por textos escritos pelo próprio artista, para dividir os tempos dos seus trabalhos. Dentre os ciclos, títulos como: Pedra do Ingá, Borborema, Santa Córdula, Jardim das Acácias, gravuras e impressões, Colagens, Grafismos, Figuras, Araguaia, Meu avô matou a onça, À mais bela.
Conheci Raul em 1970, que na época era casado com Eidelice/Eide (pais de Francis Córdula, que conheci bebê), quando morava perto da Bica, no Jardim das Acácias, e eu tinha 15 anos e namorava Flávio Tavares. Sentia um encantamento em visitar esses artistas, a exemplo de Miguel dos Santos, Samico, João Câmara, Roberto Lúcio, Hermano José e alguns outros do eixo Rio- São Paulo. Sem falar do próprio Flávio, com quem vim a me casar em 1973 e me separar alguns bons anos depois. A minha pouca idade não me dava ferramentas para decifrar, entender, e fazer leituras das obras desses artistas. Mas, me assombrava de espanto diante da criatividade, do talento, da capacidade de ver um mundo de uma forma cifrada, simbólica e da mistura das tintas. Anos depois, conheci o seu tio, Sr. João Córdula, homem do cinema, quando trabalhava com Paulo Melo, no Departamento para Assuntos Culturais da Secretaria da Educação e Cultura.
Tempos da minha vida que instigava minha pouca informação sobre as artes, mas que me deram alicerce, ou pelo menos uma curiosidade grande para gostar de visitar museus, admirar as artes plásticas, consumir nas lojas de artes, e me fazer perguntas diante das obras de tantos artistas que admiro.
Raul, muito generoso, em 2021, me presenteou com o livro belíssimo – Esboços/Sketches -, com oferecimento e tudo. O texto de apresentação, “O percurso sinuoso dos ângulos retos”, de Olívia Mindelo, coincidentemente, uma prima, de família próxima ao meu pai, Romero, e a nós filhas. Neste livro, mergulhamos nos seus sketches coloridos, quadradinhos, triângulos, Platão, Escada de Jacó, casinhas, amarelos e vermelhos, neuroses, estética, palavras cruzadas, onças, avôs, céus triangulares, rabiscos, cinzas, e todos os 50 tons de tantas cores. Catálogos, galerias, o NAC, ondas, raios, círculos, laranjas, alfabetos, dobraduras, borrões, flechas, e consolos Triângulos que giram, Amélia (sua linda mulher que conheci mais recentemente), pour toi. Coração nas trevas. Oh linda! Tao, eterno agora, o olhar nascente, Araguaia, À mais bela, Aquiles. Santa Córdula. Como cita Olívia, para Raul, “os triângulos são mais do que formas geométricas; são sinos de intensa simbologia e poder”. Pitágoras e Ferreira Gullar. Olívia foi na matemática e na poesia pra desvendar as linhas de Raul.
“Raul cultiva nas suas geometrias sentidos tão matemáticos quanto místicos. Há profundezas em suas bidimensionalidades, de modo que imagem e objeto não desempenham entre si uma relação de funcionalidade direta.” Olivia ainda se aprofunda na sua crítica, análise e estudo detalhado sobre a obra de Raul e aponta: “Mais importante é perceber que tudo aqui está a serviço de algo; não surge como mera abstração ou obsessão pela forma. É metáfora, metonímia, alegoria....É físico-metafísico, razão-emoção, triângulo-círculo, triângulo-quadrado, luz-escuridão, signo-significante para além dos significados. Mas acima (ou abaixo) de tudo, é maia, misticismo, religião, devoção, arte. “
Nesta exposição de agora, pude rever o “meu” livro espalhado na galeria, as pessoas a folhearem os seus sketches e a olhar para os quadros na parede e quando possível, estabelecerem as suas conexões, os seus diálogos. Quando já não caibo em mim dos espantos e admirações, eis que Raul me presenteia com outros livros: Memórias do Olhar, João Pessoa: Linha D´Água, 2009, de sua autoria; e a Revista “Segunda Pessoa”, ano 4, número 4, Set-out-nov, 2014, edição especial Raul Córdula e ainda Raul Córdula- Poéticas, de Joana D'Arc Lima, Instituto Cultural Raul Córdula, 2014. Presentes para se folhear com calma, com o olhar atento, com Pitágoras em mente, Olívia Mindelo presente, e as cores de Raul pelos arredores. Livros de Arte são bálsamos para a nossa vida. São vida. Ainda mais em tempos de guerra e obscurantismos. Um alento que, estamparão minhas estantes tão domésticas! Mas que me acarinham a alma. Obrigada Raul.
Voltando pra casa da exposição, vim também com uma certa melancolia. A tal melancolia do tempo. Abri uma cerveja gelada e fui viajar pelas formas geométricas de Raul, pelos encontros carinhosos da noite, e reviver tempos subjetivos e longínquos da minha própria vida.
““As nuvens são azuis, o céu é que é branco””
(Vitor Córdula, neto de Raul)
(Vitor Córdula, neto de Raul)