O nome do livro submetido aos leitores junta uma expressão de José Américo de
Almeida (1887/1980) a um enunciado de
Milton Marques Junior. A expressão consta da conferência pronunciada pelo saudoso escritor e homem
público, natural do Município de Areia, no evento comemorativo do
cinquentenário do nascimento do poeta Augusto dos Anjos3 , em 1934.
Milton a reuniu ao enunciado explicativo do propósito de sua obra.
A denominação ficou longa: “Ei-lo pulando de uma casa para outra, nas ruas da Capital. UM ROTEIRO DE AUGUSTO DOS ANJOS NAS RUAS DA PARAÍBA”. Seria o título muito extenso para o livro? Talvez, mas é desculpável, porque tem a vantagem de revelar logo as pretensões do autor.
Milton fez a pesquisa para traçar o roteiro dos espaços por onde deambulou Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (1884/1914), o nosso maior poeta, entre os anos de 1908 e 1910, quando viveu em nossa Capital. Satisfez, consequentemente, o seu desejo de enaltecer o visionário versificador de sua predileção. No entanto, seu trabalho serve como corajosa denúncia da incúria das autoridades em relação à história e à cultura da Paraíba. Incúria, diga-se de passagem, facilmente perceptível pelo abandono dos prédios e monumentos do centro da Capital, uma das cidades mais antigas do Brasil, fundada no dia 05 de agosto de 1585.
Milton, como a maior parte dos paraibanos, admira o engenho poético de Augusto dos Anjos. Sabe que o nome do vate atrai a curiosidade das pessoas, pois ele, o nosso glorioso Augusto dos Anjos, foi, na opinião abalizada de Alfredo Bosi (1936/2021), “o mais original dos poetas brasileiros entre Cruz e Sousa e os modernistas”4.
Aí está o motivo da escolha do poeta como principal protagonista do roteiro cultural, que Milton fez por força do seu idealismo, por força do seu acendrado amor à história e às letras.
Poder-se-ia chamar “NOS PASSOS DE AUGUSTO DOS ANJOS”5 ao itinerário sugerido no livro. Aliás, se for adotado pelas autoridades governamentais e empresas de excursionismo, haverá, com certeza, o incremento da presença de turistas no centro de nossa capital, o fortalecimento de atividades comerciais, o aparecimento de novas oportunidades de emprego e renda para o povo paraibano. Evitar-se-á, então, a destruição dos edifícios e monumentos existentes no mencionado logradouro.
O livro soma cem páginas. Além do Sumário e das Referências, bibliográficas, conta com uma Introdução, nove Capítulos e uma Conclusão. Traz, ainda, uma coleção de retratos de prédios e monumentos do nosso centro histórico. No final do tomo, o autor enxertou um poema do talentoso acadêmico Hildeberto Barbosa Filho e a resposta que a ele endereçou.
A obra é muito bem escrita, de leitura fácil, indispensável para quem crê na importância de se preservar a nossa história e a nossa cultura. Confesso que a li duas vezes, com alegria, para fazer a apresentação. E faço a confissão recordando reflexões de Jorge Luís Borges:
"Vários escritores escreveram de modo brilhante acerca do livro. Quero
referir-me a alguns poucos. Primeiramente, mencionarei Montaigne, que dedica
um de seus ensaios ao livro. Nesse ensaio há uma frase memorável: ‘Nada faço
sem alegria.’ Montaigne afirma que o conceito de leitura obrigatória é um
conceito falso. Diz que, ao encontrar algum trecho difícil em um livro, ele
imediatamente o deixa de lado. Porque vê na leitura uma forma de felicidade."
Eu me recordo de que há muitos anos realizou-se uma pesquisa sobre o significado
da pintura. Fizeram tal pergunta à minha irmã Norah e ela respondeu que a
pintura é a arte de dar alegria mediante formas e cores. Eu diria que a
literatura é, igualmente, uma forma de alegria. Se lemos algo com dificuldade, o
autor fracassou. Por isso, acho que um escritor como Joyce fracassou, em sua
essência, já que a sua obra requer esforço para ser lida. Um livro não deve
exigir esforço, a felicidade não deve exigir esforço...”6
Por concordar com essas lições, exalto o estilo literário de Milton. Nem precisaria fazê-lo. Isso já foi feito por Ângela Bezerra de Castro, ensaísta conceituada nos ambientes culturais e primeira mulher a presidir a nossa Academia Paraibana de Letras.
Em discurso de recepção proferido no dia do ingresso do autor em nossa agremiação cultural, a querida confreira Ângela proclamou com justeza que Milton Marques Junior é “o professor de todos os méritos, o pesquisador incansável, o escritor de muitos talentos, o imortal, cujo perfil projeta para a APL uma participação intensa e criadora, com o selo indispensável da qualidade intelectual.”7
A paixão pela cultura e a virtude cidadã de Milton moveram-no em direção à pesquisa, que resultou no livro. Que a obra seja lida por muitos e possa, assim, contribuir para o surgimento de iniciativas destinadas a evitar a deterioração do nosso centro histórico.
Admiro e respeito a inteligência, o discernimento e a cultura de todos os membros da Academia Paraibana de Letras, mas muito me impressiono com as atitudes corajosas de Milton, pois engrandecem a sua personalidade.
Louvo o seu livro dizendo que recebi, com alegria e honra, o desafio8 para fazer esta apresentação. Preciso mostrar a importância da obra, destacando sua utilidade e o esforço laboral dispendido pelo autor.
Milton sentiu o incômodo provocado pelo desprezo que certas autoridades e o empresariado dispensam à história e a cultura da Paraíba, uma vez que permanecem inertes diante da deterioração e do abandono de prédios e monumentos das primeiras ruas de nossa capital.
Sabe Milton que Augusto dos Anjos, "com sua consciência – ‘última luz tragicamente acesa/na universalidade agonizante’" –, por ali passeou sozinho, ou na companhia de outros intelectuais, José Américo de Almeida, por exemplo, entre os anos de 1908 a 1910. Em suas caminhadas pensava sobre a vida e a morte, emocionava-se, sofria por causa do mistério da existência, raciocinava, fazia os seus questionamentos. E “jamais, antes dele, na poesia brasileira", indagações tão profundas, tinham sido formuladas “em tal nível de urgência existencial e de expressão poética.”9
Compartilho do mesmo incômodo de Milton. Também sei que Augusto dos Anjos foi o artista que mais elevou o nome da nossa Paraíba no cenário nacional. Merece sempre homenagens. O centro histórico está abandonado, deve ser protegido pelas autoridades. Não é do feitio de Milton Marques Junior silenciar, por conveniência, deixando de denunciar a situação deletéria provocada pela indiferença das autoridades. O temperamento do autor não é semelhante ao daqueles que fogem de lutas em defesa da história e da cultura do Estado. Ele não desperdiçou o seu tempo nem a sua energia. O seu esforço, tenho certeza, renderá frutos.
As artes e as letras não devem se omitir diante do descaso. Os intelectuais precisam se incorporar à campanha em defesa da preservação de nossa memória histórica e cultural, inaugurada com o lançamento desta obra.
Milton definiu os locais onde se alojou Augusto dos Anjos. Milton indicou os caminhos que o poeta habitualmente percorreu, nos tempos em que viveu no centro de nossa capital. Milton desvendou os mistérios depois de efetuar criteriosas pesquisas de campo e bibliográfica. Milton deu uma preciosa ajuda à preservação da memória histórica e cultural da Paraíba.
Imóveis onde Augusto dos Anjos morou na capital paraibana (acima) / "Solar do
Conselheiro", na Rua D. de Caxias (abaixo) Milton
Marques Jr.
O exame dos ambientes físicos, nos quais o poeta passou, é uma interessante
ferramenta para avaliar as impressões por ele experienciadas. O confrade
Hildeberto Barbosa Filho, no seu livro,
“Da Volúpia do erro – Pensamentos provisórios”, que tive a alegria de
ler, reconhece a procedência do que digo, pois anota:
“Também somos as coisas que possuímos. As coisas que procuramos. As coisas
que não temos e que nunca serão nossas. Chega de pruridos filosóficos! De
reservas morais! Por exemplo, adoro a minha casa, a minha casa, que é
grande. Casa que tem quintal, árvores, terraço amplo, garagem, quartos,
salas, corredores, dispensa, gabinete, bar, biblioteca. Adoro os meus São
Franciscos de madeira e terracota, meus oratórios antigos, minha sela
desativada, minhas esporas de prata, os retratos dos meus que já se foram e
não se sabe para onde...”10
Noutro trecho do mesmo livro, Hildeberto confessa o próprio desassossego com a falta de preservação da história e da cultura representada pelos prédios e monumentos antigos de nossa capital. E faz uma revelação, alegando que se “fosse prefeito da cidade, cuidaria melhor do Centro Histórico”.11
Habituado a dialogar com as pessoas e as coisas inanimadas, a exemplo das pedras de Aroeiras, que é a sua terra natal, Hildeberto sustenta que “as coisas possuem alguma espiritualidade”, estando “vivas e abertas à nossa afeição”. Assim, elas “também nos observam de seus postos invisíveis. Elas também habitam a morada da linguagem, a casa do ser”12 , precisando, portanto, ser preservadas.
Há certa imprudência e injustiça na atitude de quem tente diminuir, sem argumentação razoável, o significado da publicação do livro de Milton. Nem a prosa nem a poesia devem ser avessas à precaução.
Participei, no último sábado, na companhia de escritores e admiradores de Augusto dos Anjos, do passeio que Milton organizou para que conhecêssemos as casas onde morou o poeta e os caminhos que ele trilhou nos dois anos em que viveu na lendária cidade antiga. Ouvi as explicações do professor. Emocionei-me com as declamações dos versos do poeta, feitas por admiradores e populares. Foi uma caminhada inesquecível, que guardarei na memória.
Imóvel (amarelo, acima) onde Augusto dos Anjos morou / Eitel Santiago (acima,
à dir.) / Academia Paraibana de Letras Milton
Marques Jr.
Durante o passeio, esteve Augusto dos Anjos em nossa companhia? Creio que sim, e
o magistério do escritor portenho Jorge Luís Borges13 autoriza-me a
chegar a essa conclusão. Num texto sobre a imortalidade, Borges recorda Tomás de Aquino ensinando que “a inteligência deseja naturalmente ser eterna”, não de um modo pessoal, mas generalizado. Por isso, dentro da orientação do mestre da Escolástica, sustenta que “cada vez que alguém ama um inimigo, surge a imortalidade de Cristo”, pois quem perdoa repete a experiência de Jesus.14
Se o ensinamento de Borges é verdadeiro, os que recitaram os versos se transformaram, naqueles instantes, em Augusto dos Anjos. Notadamente porque “cada um de nós é, de alguma forma, todos os homens que morreram antes. Não apenas os do nosso sangue”.15
Em reforço da argumentação, relembro que Augusto dos Anjos, segundo a pesquisa de Milton, morou na primeira casa da antiga Rua Direita, hoje Duque de Caxias, defronte do prédio da Academia Paraibana de Letras.
Numa noite chuvosa, o poeta estava insone. Saiu de sua residência para caminhar. Impressionou-se com o ambiente que o circundava. Havia começado uma tempestade tropical que a tudo agitava, mas não abalava a imponência mística do velho e belo conjunto arquitetônico do Convento de São Francisco.
Influenciado pela paisagem, mas sem se amedrontar ou desistir do passeio, Augusto dos Anjos descreveu as suas aspirações transcendentais no soneto “NOTURNO”, que passo a recitar:
“Chove. Lá fora os lampiões escuros Semelham monjas a morrer... Os ventos
Desencadeados, vão bater violentos, De encontro às torres e de encontro aos
muros. Saio de casa. Os passos mal seguros Trêmulo movo, mas meus movimentos
Susto, diante do vulto dos conventos, Negro, ameaçando os séculos futuros! De
São Francisco no plangente bronze Em badaladas compassadas onze Horas
soaram... Surge agora a Lua. E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos Enquanto
a chuva cai nos cemitérios E o vento apaga os lampiões da rua!16
Imagino que, ao declamar, consegui reacender a memória de Augusto dos Anjos, cujo espírito se aproxima de Milton Marques Junior e de todos que, comprando e divulgando o livro agora lançado, aspiram proteger o patrimônio histórico e cultural do nosso “sublime torrão”. 17
"Ei-lo pulando de uma casa para outra nas ruas da capital - um roteiro de
Augusto dos Anjos na Paraíba" está disponível por meio do
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