Canto primeiro Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e re...

Cantos para meus filhos

poesia capixaba jorge elias neto
 
 
 
Canto primeiro
Habita em mim um sem número de desterrados, meus pares eternos, raízes que me circundam. Resmas e resmas de histórias perdidas, descartadas, um cotidiano de ossos e aboios de heróis impuros. Um ser andor e barro, caligrafia, relicário das almas. Meu duplo é o ontem, a miragem sertaneja, o cedro-do-Líbano, a travessia dos Oceanos e das caatingas.
Canto segundo
Coisas excepcionais aconteceram sob os olhos cansados de um relógio do tempo que não pediu para existir. Mãos o criaram ̶ eu sei. É que o Sol insistia em rodar, rodar e rodar... Era um deus. Sagacidade de uma prosopopeia.
Canto terceiro
Letra miúda, essa, do tempo, caber o risco do vento o uivo, o eco, toda delicadeza dos voos dispersos e restar espaço para tantos sonhos na inocência de uma infância.
Canto quarto
O cerol do tempo lembrando que a morte é a única panaceia.
Canto quinto
Surgem homens, incansavelmente, e a discórdia começa com as iniciais dos nomes.
Canto sexto
Os homens se perderam, eu me perdi, sou um deus da guerra Milano, sou um deus plácido e sua faca o corte e a ferrugem dos séculos.
Canto sétimo
Sabe, pai, é triste não saber definir a noite.
Canto oitavo
A palavra malefício poderia ser desdobrada em oficio de ser mal ou um mal ofício, uma execução imperfeita, um ato humano. Intencionalmente estaria aí a dualidade, o espaço da religião.
Canto nono
O amuleto, um algo que já tentei ver através de um radioscópio, e que só mostrou minha mão que segurava uma ilusão envolta em séculos de tecidos negros que guardavam uma farpa da Santa Cruz.
Canto décimo
Existiu um rosário de contas azuis e brancas, e uma pena do pavão de padre Cícero, e Santa Marta, ou uma outra Santa de vestes de freira, e um oratório azul como um túmulo de um ser puro nascido no Seridó, e um menino vivo a confrontar o espelho, essa imagem maldita que pensa saber todas as respostas.
Canto décimo primeiro
Existe uma hierarquia para as perdas. A minha primeira foi a mãe do Bambi. E minha mãe nem sabia que eu já sabia da morte quando segurei suas pernas na janela do nono andar.
Canto décimo segundo
Guardei meus pés e minhas pausas.
Canto décimo terceiro
Esse olhar de ódio é um teatro do absurdo de um homem além do discurso de querer-se sóbrio diante do naufrágio.
Canto décimo quarto
Nascemos e partimos para o esquecimento.
Canto décimo quinto
A espiral dos cromossomos se quebra. É o pó das urnas mortuárias e a carga nos ombros dos filhos.
Canto décimo sexto
A colcha de retalhos é o nosso destino, memórias, augúrios e peripécias. Isso é a vida. E a responsabilidade dando sentido ao ser torto no redemoinho.
Canto décimo sétimo - Epílogo
Estenda sobre seu caminho de passos suas descobertas, e parte levando o que seja, leva ao menos um desejo de tarde e o sentimento tátil da bruma ao te despertar de um sonho.

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também