Sempre me incomodou a incapacidade de diferenciar a coral falsa da verdadeira. A questão, aliás, confirma a regra e sua exceção: a falsa é que é a boa, até porque veio ao mundo, também, a fim de comer a outra. E que ninguém me entenda mal. Uso o “comer” na exata acepção do termo. Falo, mesmo, de devorar. Sábia, a Natureza cuida do controle de suas pragas. E, assim, temos duas cobras com jeito de irmãs gêmeas, em tudo parecidas, mas inimigas ferrenhas.
Espantosamente, a que não tem veneno é a que sempre vai dormir de barriga cheia.
Houve o tempo em que supus ter matado a charada: “Vermelha e amarela, cuidado com ela”, avisava o dito popular atinente à junção daqueles anéis coloridos. Eu continuaria a fugir das duas por mera precaução, contudo não mais seria tomado pela dúvida. “Vermelho e preto, não tenha medo”, tranquilizava-me, apesar da rima quebrada, a segunda parte do mesmo dito.
E assim foi até leitura mais séria me ensinar que isso é mito, é irreal. Isso que li e me confirmava, em seguida, o filho mais velho, biólogo com alguma especialização em herpetologia. Ocorre-me, agora: para que diabo alguém estuda um troço desses? Para agravar os temores de um pai?
Qual a razão dessa história? Pois bem, fui morador de boca de mata por quatro décadas, em plena João Pessoa. Eu e outros 27 jornalistas compramos uma área em comum nas proximidades do antigo Centro de Treinamento de Miramar onde hoje funciona um Seminário instalado por trás do bairro do Castelo Branco para a formação de padres diocesanos.
A expansão urbana custeada, no nosso caso, pelo programa da habitação, mediante concurso da Associação Paraibana de Imprensa, a API do presidente Gonzaga Rodrigues, nos levou à beirada de um dos braços da Mata do Buraquinho, em cuja sombra também se instalou a Universidade Federal da Paraíba.
Tenha a vizinhança dos saguis, gambás, lagartos e cobras e você terá, ocasionalmente, a visita de um deles. Os macaquinhos são os mais assíduos. Os iguanas vêm em seguida e, depois destes, as cobras. Por diversas vezes, eu e os meus as tivemos na varanda. É claro que eu subia na cadeira mais próxima antes de a mulher e os meninos fecharem as portas somente reabertas quando aqueles bichos tomavam outro destino. Com o filho mais velho já estudante de Biologia, passamos a ter em casa a mão de obra para suas capturas e entregas à Polícia Florestal. Foi o primogênito que me contou, há pouco, da mais recente visita de uma coral à casa paterna por ele, minha nora e meu neto agora habitada. É o que me traz este assunto.
Deixemos as cobras para lá, porquanto me assalta outra dúvida, igualmente, inquietante. Será que irei desta para melhor sem que tenha tido tempo para aprender a diferença visual entre mandioca e macaxeira?
Assemelham-se tanto quanto se parecem a verdadeira e a falsa coral. Uma pode ir à mesa com manteiga de garrafa, carne de sol e vinagrete a fim de me proporcionar um raro instante de felicidade. A outra, só quando transformada em farinha para as farofas e os pirões nossos de certos dias. Não devidamente cozida, mantém ácido cianídrico suficiente para matar um boi. Quem não sabe disso?
Todo mundo sabe. Eu quero ver é saber escolher uma e outra para o devido uso, ali, na roça, puxando a planta pelo talo e a ela dando o destino da panela, ou da casa de farinha. Esclareça-se: onde mandioca for termo designativo de ambas as espécies, a não destinada à panela pode ser tida por “mandioca braba”.
Ah, as casas de farinha... Tive a oportunidade de ver de perto os preparos dessa iguaria nacional quando visitava, recém-casado, a fazenda dos sogros e cunhados. Montes de mandiocas prontas, noite alta, para o descasque, o esmagamento, a prensagem e a torragem. Bandos de homens e mulheres barulhentos. Foi não foi, a conversa picante, o convite a uma daquelas morenas à colheita noturna feito pelos mais enxeridos na eventual ausência da dona da casa, de suas filhas, ou noras. E a reação descontraída, risonha: “Vôte... Ô, dona Neuza, venha ouvir essa história”. Resultado: fornalha quente, machos mornos...
Eu nunca me supus no campo, sol a pino, às voltas com o plantio de mandioca, macaxeira, ou qualquer outro vegetal que a terra nos disponha. Por esta conta, por disso não entender, nunca deixei de me incomodar com a absoluta semelhança física entre essas gêmeas de almas tão diferentes. Uma delas mansa, oferecida aos prazeres alheios. A outra, dissimulada e letal, se não tratada a ferro e fogo.
A verdade é que devoro um desses pratos prediletos achando que minha sorte depende da decência de quem planta, colhe e vende macaxeira. Confiar, assim, cegamente, na natureza humana, sem dúvida, é algo que hoje muito me desassossega. Razão, também, deste bate-papo.