Para os apaixonados pela obra de Edgar Allan Poe, recomendo “A Queda da Casa de Usher”, na Netflix.
Não é uma adaptação direta do célebre conto homônimo de Poe, mas é ousada e engenhosa o suficiente para usá-lo como espinha dorsal a fim de explorar um tema contemporâneo – a pilha de cadáveres vítimas de opioides vendidos pela indústria farmacêutica.

A série inicia com o patriarca convidando o promotor Auguste Dupin (Carl Lumbly) para um encontro em sua arruinada casa de infância, a fim de narrar a trajetória violenta e as mortes recentes de todos os seus filhos.
Particularmente, eu dispensaria o exagerado aparato de sangue e entranhas e os sustos típicos de filmes de terror, mas é o caminho do diretor Mike Flanagan. O ponto fraco indiscutível é o discurso sócio-político desnecessário e professoral em alguns momentos. Mas tem Poe, minha gente. E se torna particularmente prazeroso brincar de caça ao tesouro e identificar as dezenas de referências à obra do poeta norte-americano.

Os fãs de terror mais clássico e alguns críticos poderão torcer os narizinhos lembrando das grandes adaptações de Poe na década de 1960. Eu prefiro me fixar na homenagem ao escritor, na criatividade da proposta, nos bons momentos satíricos e na atmosfera misteriosa feita de luzes e sombras na qual ecoa a narrativa gótica de Poe a se derramar sobre temas como inconsciente, medo, ética, ambição, loucura, sexo e, claro, morte.
No fim das contas, sai-se com uma pequena lição no bolso: a capacidade de corrosão moral do ser humano supera qualquer horror que a imaginação de um artista venha a criar.