Todas as vezes quando passava pela região, depositava demorado olhar sobre a paisagem cantada pelo poeta Zé Ramalho, mas nunca demorei a contemplá-la. Se a Pedra de Turmalina, observada da soleira da casa-grande, nos encanta e emociona, foi em Riacho dos Cavalos onde completei a visão que alimentou a minha curiosidade e agora recordo com renovada emoção.
O lugar não é diferente dos demais daquela região sertaneja, no entanto, algo chamou a atenção, e passaria despercebido se não observasse com os olhos do coração. No meio da vegetação esturricada, dez léguas distante da cidade, no sopé da serra encontramos uma família que nos espelhou escrever este comentário.
A lição é a seguinte: pode-se viver com tão pouco. Cansado de trabalhar para os outros, com a economia de dinheiro, Chico Nego comprou uma nesga de terra. Menos de um hectare, um pedacinho. Para ser exato, foram novecentos metros quadrados de terra em meio a vegetação degrada, em área morta aos olhos dos sem perseverança.
Alguns anos depois, esse terreno transformou-se em pequeno paraíso, um Shangri-La no Sertão paraibano. É dali que o agricultor retira, com a resistência do muque, o sustento da família. A multiplicação das sementes na terra fértil ocorreu porque seguiu as orientações técnicas para o plantio de sua lavoura.
Na propriedade tem de tudo um pouco. Durante nossa visita, no roçado encontramos feijão, batata-doce, macaxeira, hortaliças. Um barreiro para criar peixe, um poço artesiano fornece água usada na irrigação da terra no sistema de gotejamento, além de criações de galinha e guiné, cabras e uma vaca que fornece leite e queijo, comercializados na cidade.
Este agricultor fez lembrar outro morador no sítio Tapuio, em Serraria, pois também trabalhava em pequena área de terra. A diferença está justamente nas características das regiões. No Sertão, a terra se depara com estios prolongados e árvores despidas de folhagem. Caboclo criado no meio das adversidades, Chico Nego convivia com a situação, principalmente armazenava água no subsolo para uso na estiagem, como faziam os antigos romanos.
Meu parente João dos Anjos, de Serraria, região menos propicia ao verão prolongado, é privilegiado na convivência com a Natureza. Este não se preocupava com a falta de água, que recolhia da cacimba nas terras do vizinho. O esterco para adubação da terra era abundante. Ao contrário de Chico Nego, residente em Riacho dos Cavalos, que ao redor de casa encontrava vegetação morta e cascalho reluzente à luz do sol.
Admira o trabalho destes agricultores porque com tão pouca terra, produzem o suficiente para o sustento da família. Eles plantavam e tudo se multiplicava como o maná no deserto, quando o profeta saciou a fome de muita gente.
- Como tirar tantas coisas em pedaço de terra tão pequeno?
- Basta acreditar e não ter preguiça...
Respondeu, enquanto removia o boné da cabeça – hoje quase não se usa chapéu, mesmo residindo no campo –, olhou para o Céu e apontou uma capelinha a 500 metros de distância, construída em elevado de terra, próximo ao sopé da serra coberto de gravetos secos. Ali o padre celebra missa a cada dois meses.
Fiquei calado.
Durante a conversa, seu filho e dois netos pequenos percorriam canteiros para retirar o tomate, a beterraba, o coentro, o maxixe, couve e o quiabo para vender na feira, enquanto os pingos da água irrigada chegavam às plantações, aspergindo a todos.
Em outra ocasião, andando pelo Sertão, caso idêntico chamou a atenção e lembro disso para falar de partilha e de camaradagem.
No município de Prata, no Cariri, de paisagem semelhante a Riacho dos Cavalos, um cidadão comprou terreno medindo 20 metros de largura por 60 de extensão, construiu casa, criava cabras e produzia leite. Nesse espaço, cedeu lugar para vizinho criar uma vaca com bezerro.
Novamente fiquei calado.