Como eu gostaria de saber o que, realmente, se passava naquela cabecinha. Encontro marcado, pipocas compradas, sentamos lado a lado no ...

A segunda namorada

cronica paraibana namoro cinema
Como eu gostaria de saber o que, realmente, se passava naquela cabecinha. Encontro marcado, pipocas compradas, sentamos lado a lado no cinema, como o fazíamos na sala de aula. Mas o clima não estimulava os abraços, os suspiros, as carícias. Como tentar algo mais íntimo se a nota baixa em matemática era o tema principal da conversa na matinê? Se, embora a quilômetros de distância, a professora Celeste e sua mania de aplicar de surpresa provas de inglês pareciam inquietar, também ali, aquela garota?

Malditas pipocas... Até quando eu iria ter as mãos ocupadas com isso? Resolvi comer o mais depressa possível o que me restava, amassei, deixei cair o saquinho e, disfarçadamente, empurrei-o com um dos calcanhares para baixo da cadeira. Vi, então, que o dela estava pela metade.

Foi quando também reparei em que mãos de 16 anos, à véspera do segundo namoro, não são menos atrapalhadas e indecisas, mesmo sem pipocas, balas ou picolés. O fato é que os assim tão jovens demoram em saber o que fazer com mãos vazias, ou não, na iminência de um primeiro beijo. Com o braço direito trêmulo, desisti daquele ombro por três, ou quatro vezes. Um “não” me mataria de vergonha mais do que de tristeza.

Alheio aos meus sentimentos, o tempo se esvaía no compasso da minha aflição. Ou tudo se resolveria, ali, naquele instante, ou nunca mais, advertia-me uma dessas vozes que a gente costuma ouvir do fundo do coração em momentos vitais, decisivos.

A menina ao meu lado teria que saber das minhas intenções, fosse como fosse. Caso contrário, meses de convivência relegariam ao campo da amizade pura e simples, ou nem a isso, a relação amorosa por mim pretendida,
mas de correspondência, até então, duvidosa.

Eis que as luzes apagaram. Vieram os trailers de filmes futuros, o desenho animado, o Canal 100 com as notícias do futebol e, então, o filme do dia, um suspense de matar dirigido pelo velho e bom Alfred Hitchcock. O enredo avançava, os sustos se sucediam e, quando dei por mim, eu a tinha recostada em meu peito. O beijo aconteceu quando Anthony Perkins vestido de mulher invadiu o chuveiro para esfaquear a pobrezinha da Janeth Leigh, no momento mais aterrorizante de “Psicose”.

O filme seguinte foi “Candelabro Italiano”, um romance com água e açúcar, a história de uma professorinha americana (encarnada por Suzane Pleshette) encrencada com a direção da escola por haver recomendado às alunas livro não permitido. Revoltada com a censura, ela mesma se demite. Passa uma bela descompostura nos patrões antiquados, broncos, pega sua grana e se manda para Roma. Já, ali, monta na garupa da lambreta do arquiteto Don Porter (Troy Donahue) e com ele percorre o roteiro romântico da capital do amor. Mas não antes de também se envolver com um italiano charmoso (interpretado por Rossano Brazzi).


Desta vez, minha namorada manteve-se mais interessada nos beijos da tela. Coitada, mal sabia o que a esperava. Prometi a mim mesmo que os ingressos seguintes seriam para um filme de vampiros. Ainda hoje, toque no rádio “Al di lá”, a canção principal da fita melosa, como às vezes toca, e me vem à memória a matinê do Cine Rex.

Revi aquela namorada quando, já adulta, buscava ela espaço para nota de uma missa de sétimo dia no balcão de anúncios do jornal cuja Redação eu integrava. Havia perdido uma das avós. Contou-me que lia meus escritos e, desse modo, sabia dos meus passos na profissão que abracei sem os sobressaltos nem a relutância do nosso primeiro abraço, ressalto eu.

Duramos pouco. Tudo terminou como habitualmente terminam os namoros iniciais de todo e qualquer adolescente, nasça onde nascer, fale o idioma que falar, tenha o sotaque que tiver. Afinal, a vida em seus princípios requer, universalmente, os experimentos, as descobertas, a alma livre e sempre disposta a chegadas e partidas. Uma discussãozinha à toa e pede-se tempo para se repensar o relacionamento. Geralmente, um tempo sem fim e sem volta. Foi assim conosco.

Estava mais bonita minha companheira de escola e de cinema. E, como eu, estava sem ninguém. Provoquei o assunto e me respondeu que “Psicose” não a amedrontou tanto quanto eu supunha. Recostara-se em mim ao perceber que, dificilmente, eu tomaria a iniciativa do namoro. Deus abençoe as mulheres.

Anotei seu número, dei a ela o meu, prometemo-nos o reencontro e, sem mais nem menos, esquecemos do trato. Ainda éramos jovens com um montão de planos e urgências. Nunca mais a vi. E, então, me ponho a pensar sem outra razão além da curiosidade: saberá ela, por acaso, disso que agora conto?

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também