De suas estranhezas notou-se primeiramente uma indisfarçável simpatia pela vida de caserna. Pois não é que, às...

A primeiríssima fuga de Carlos MacCaco

literatura paraibana alberto lacet
De suas estranhezas notou-se primeiramente uma indisfarçável simpatia pela vida de caserna. Pois não é que, às vezes, chegava nos cantos subitamente marchando (entenda-se: você o via aproximar-se andando normalmente, quando, a poucos passos, assumia um andar retesado e o bater de pés dos que marcham, e isto apenas para – chegando junto a você – obedecer a uma imaginária ordem de Alto!), quando então estancava batendo um calcanhar no outro e prestando as continências militares, e só depois disto, voltando ele a normalidade da vida civil…Às vezes me pergunto: de onde viria aquilo lá… nele?

A explicação pode não ser suficiente, mas talvez tenha escapado a Axéssio que Carlos era ainda um menino ao morrer-lhe o pai, alguns anos depois da guerra de ’30 (consequência de um balaço, do qual, o ex-temido cabo de polícia jamais se restabeleceria por completo),
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um acontecido que fechou para ele o ciclo da orfandade, já que a mulher conhecida por S’adora, sua mãe, morrera durante o esforço de trazê-lo ao mundo. A partir desse segundo golpe, passa a viver sob proteção de um militar reformado, velho amigo do pai.

Esse tutor consegue de uma irmã solteirona — a velha Totó — que o arranche nos fundos do quintal da casa dela. Nunca me falou nada disto. Acho que posso começar a vê-lo, então, menino levado pela mão, espantado diante das marchas e cerimônias militares a que deve ter sido obrigado a assistir, com o término da guerra, Diz Axéssio, botando para funcionar seu poderoso moinho de deduções. Isso talvez explique, segundo ele, a constância com que mais tarde, já adulto, há de ser visto assobiando, ou, às vezes, imitando mesmo a sonoridade e cadencia típicas dos dobres e marchinhas militares, Fez isso durante muito tempo, Afirmou.

Eram uma espécie de trilha sonora para Carlos MacCaco, e que ele normalmente botava em ação soprando num canto da boca. Mantinha aquela bochecha cheia e fazia com que o ar saísse um tanto comprimido, conseguindo com isso imitar toques de corneta e clarim, Disse ele. Mas agora é necessário organizar um início para as coisas.

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Por essa época, vive Carlos o começo de sua adolescência, e uns três anos depois da adoção, no meio de manhã anódina como tantas, a velha Totó nota aquele prato de mingau intocado e endurecido na mesa do café. Andando com dificuldade, desce até o quintal e vai verificar.

Da porta, ela grita para dentro do quarto — sempre um tanto escuro — sem obter resposta. Suspirando ruidosamente, a velha Totó triunfa sobre os dois batentes e transpõe o vão da porta. A cama lhe parece mais arrumada do que fosse de esperar. Tomada de um pressentimento, apoia-se na bengalinha e inclina-se de lado para enxergar embaixo dela. A pequena maleta de papelão, onde ele almofambava as poucas roupas, havia sumido de lá.

No dia seguinte, ela ainda hesita antes de seguir conselhos do irmão para que vá à delegacia dar parte do desaparecimento da criança. Mas depois das perguntas de praxe, um pançudo delegado - coçando a cabeça com a mão por baixo do quepe, a quase lhe tombar da cabeça, diz, Mas é o diabo, mesmo. Capaz de ter fugido no circo.

O circo do cigano Miguel arribara da cidade na madrugada do dia anterior, o do sumiço. Carlos contava, o quê, Quatorze, quinze anos de idade…


(excerto de “MacCaco”, livro inédito de Alberto Lacet)

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