Meu amigo pensou em matar de inveja o casal da Pensilvânia de quem a menina mais velha foi hóspede no transcurso de um desses programas de intercâmbio. A coisa funciona assim: você despacha a filha com visto de intercambista para os Estados Unidos, França, Inglaterra, Austrália, ou outro País onde isso exista, à escolha dela. Já ali, a garota pode estudar por 12, ou 24 meses, sob a proteção e o abrigo de uma família anfitriã, de pais temporários, a bem dizer. Em troca, ela cuidará de crianças, seus irmãos ocasionais, e ajudará nas tarefas domésticas.
E. Okioga
Se algumas das mais belas praias do litoral brasileiro nem a exuberância vegetal da cidade não surpreendessem a família americana prestes a desembarcar no Aeroporto Castro Pinto, a variedade das frutas nossas de cada dia, certamente, a chocariam. No bom sentido, é claro, assim pensou meu amigo.
Estava por ele decidido: os americanos teriam à mesa, além dos nossos melhores pratos, a abundância das frutas brasileiras. Àquele que os recepcionaria não bastava, pura e simplesmente, oferecer abacaxi, manguito, manga rosa e espada, banana de todo tipo, laranja a dar com o pau, graviola, jaca mole e dura, pinha, melancia e outros itens de uma lista interminável. Seria preciso, além disso, falar de cada origem e zona de cultivo.
A. Añez
Uma pesquisazinha aqui, outra leitura acolá, e ele próprio pôs-se de queixo caído. A banana era cultivada na Ásia 4 mil anos antes de Cristo vir ao mundo. Também dali nos vieram a manga, a jaca, o limão e a laranja. O caqui, pasme-se, é japonês. E é da Índia o jamelão, nossa oliveira, a frutinha que fez Genaro Meu Bem brigar com Maria Chiquinha.
Os egípcios já comiam melancia nos dias dos faraós. E contam que o abacaxi, saído do Paraguai, ocupou o Brasil e toda a América Tropical graças à expansão dos guaranis. Mais tarde, nos anos de 1940, Hollywood daria conhecimento desse fruto ao mundo inteiro ao colocá-lo na cabeça de Carmem Miranda. Afinal, Tio Sam precisava de acampamento em Parnamirim com pista de pouso e decolagem para as batalhas da África e Europa. Esse esforço de guerra também levaria à criação por Walt Disney da figura do Zé Carioca, enquanto Getúlio abiscoitava grana e tecnologia para a fundação da Indústria Siderúrgica Nacional. De fato, os do Norte sabiam, então, como fazer amigos. Mas essa é outra história.
D. Devadig
De brasileiro, mesmo, com sementes aqui surgidas, temos apenas o caju (nordestino de quatro costados), o jenipapo, a goiaba, a mangaba, a jabuticaba e a pitomba, fruta besta que não dá salada? Pesquisa posterior trouxe a resposta: claro que não. Poucos povos do mundo têm a quantidade e a diversidade de frutos originários que este País continental dispõe a sua gente.
Sendo assim, por que não estão nas gôndolas dos supermercados e nas tendas das feiras livres, à vontade e em amplitude nacional, coisas como inajá, baru, araticum, murici, camuci, cambucá, bacuripari, bocaiuva, guavira, cubiu, abiu, cupuaçu, tucumã, guabiroba, grumixama, licuru, pitangatuba, uvaia, biribá, feijoa, camu-camu, jatobá, juá, filhas diletas da Amazônia, da Mata Atlântica, ou da Caatinga? Por que não tiveram a sorte do guaraná e do açaí, este último já nos quatro cantos do mundo?
A resposta, desta vez, eu mesmo colhi com a leitura de artigo alentado no portal da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, organismo vinculado ao Governo do Estado de São Paulo. Ali, o agrônomo Ednei Antonio Marques, diretor do Núcleo de Produção de Mudas de São Bento do Sapucaí, explica a diferença entre as frutas largamente comercializadas e as nativas, quase todas restritas a matas e pomares domésticos.
Estas últimas, desgraçadamente, não passaram nem passam por processos seguidos de seleção e melhoramento genético e, por conseguinte, algumas já entram em fase de extinção, esclarece o moço.
Tatters
Pensando bem, o que não faz é negar, igualmente, doses fortes de brasilidade a isso tudo que à mesa nos chega com sabores, cores e cheiros aqui festejados por sucessivas gerações desde as caravelas. É tratar como alienígenas as árvores que dão frutos, abrigam abelhas e passarinhos nas pequenas roças, nos campos vastos da agricultura, nas praças e parques públicos, mas, sobretudo, nos quintais de tantas e tantas infâncias. Se avexe não, meu querido, o que você puser na salada dos seus amigos americanos é mais brasileiro do eu e você porquanto aqui nasce, cresce, produz e morre, em alguns casos, há mais de 500 anos. Mas aproveitemos a oportunidade para cobrar dos que nos governam todo cuidado possível com a proteção e a expansão da flora nativa, até em benefício do emprego e da renda numa terra sempre disso tão carente. Não é não?
