Não há história completa, mesmo nos limites do seu tempo.
Na reclusão do sanatório, quando li a História da Revolução Francesa de Michelet, sobre a qual se atribui “uma ressurreição integral do passado”, ainda jovem, julguei sobrepor-me ao desânimo da doença e à mediania de outros leitores do meu círculo. Não demorou muito, eis-me afrontado diante dos cinco ou seis volumes da grande revolução, só que escrita sob a visão hegeliana do socialista Jean Jaurés. Dispersivo como sempre fui, não passei do 2º volume, à espera de ocasião para entrar nos subterrâneos da luta de classe, ponto de vista do militante socialista, eloquente orador, assassinado num café de Paris.
Deixando essas lonjuras, a primeira história da Paraíba posta em minhas mãos, no Engenho Geraldo do doutor Pedro Tavares, irmão do autor, Manuel Tavares Cavalcanti, foi uma brochurazinha tão bem escrita, tão enxuta e clara para um estudante de ginásio, que as versões posteriores, por mais enriquecidas, não me deixaram com mais funda cicatriz. Os pequenos capítulos dedicados à ocupação holandesa fazem menção à promessa de garantia dos direitos, desde os de consciência aos de propriedade. Cravou-me a primeira impressão, ainda que as sucessivas leituras feitas bem mais tarde não isentassem os portugueses de seu maior crime, a incursão arrasadora nas tribos ao norte do rio, desde a Copaoba ao trucidamento no Rio Grande do Norte, na descrição irada de Câmara Cascudo.
Do ponto de vista dos sem-terra, dos que ficaram e continuam à margem da casa grande, colonizador por colonizador não merece troco ou volta. Duarte da Silveira, fundador e benfeitor da Filipeia, entrando com seu bolso na construção do casario inicial, terminou, coitado, aos 80 anos, pagando com a prisão sua não-resistência ao invasor de língua intraduzível.
Falam que a primeira impressão é a que fica. Mesmo que eu tenha passado de raspão por trabalhos exaustivos como os de Evaldo Cabral de Melo, a versão da pequena brochura, escrita em trinta dias, sob encomenda do presidente Castro Pinto e destinada à escola, ainda hoje rende, mais de setenta anos depois, vindo à tona com a publicação da carta de despedida de Nassau da terra que ele deixou com saudade partindo com sua frota daqui deste extremo oriental.
Li e me adocei com a carta. Concordo com Ademilson José:
“Em poucas linhas (o conde) conseguiu resumir de forma magistral quase que todas as suas obras, e com o mérito também de falar da função ou importância de cada uma no contexto geral (...) e na paralela de tudo isso (...) um profundo desabafo muito bem dosado de lamentações sobre coisas que não pôde fazer ou que não teve como evitar, a começar pela destruição de Olinda que os holandeses fizeram bem antes de sua chegada a Pernambuco”.
A carta, até lírica, vale, sem dúvida, como precioso documento da incongruência humana diante da conquista, da ganância, tanto ontem como hoje, quando, no nosso país de verde abundância capaz de alimentar o mundo, os 2 ou 3 por cento com esse poder vivem muito bem e deliciosamente ao lado de 73 milhões de irmãos famintos.