Quando ouvimos falar sobre a morte, nossos olhos eventualmente ficam pasmos ou marejados. Porém quando são mortas 52 milhões de aves devido à gripe aviária, muitos olhos ficam indignados, porque perderam dinheiro. Uma onda de coronavírus causada pela BQ.1, a "neta" da Ômicron, não deve atingir os humanos no mesmo patamar de mortes das galinhas, mas os alertas nos deixam novamente mascarados nas ruas.
Nos últimos tempos, comoção e ironia são palavras em itálico, que expressam nossos limites no caminhar diário e dão um colorido ao mundo em que nos movemos no giro do planeta azul, onde raramente utilizamos regras novas para substituir as antigas.
Nessa pandemia, similar à guerra, ficamos escassos de muito: companhia, amor, dinheiro... e de muitos negócios que fecharam suas portas. Podemos nos considerar filhos de uma pandemia, porque renascemos, ao escapar quase ilesos da morte, que abraçou os mais frágeis.
Em 1945, após o término da guerra, as famílias procuravam o que comer, se locomovendo por 30 quilômetros para pegar algumas sacolas e servir a outros, que mal podiam andar. Muitos moravam na mesma casa, porque sobraram poucos telhados para chamar de lar. O racionamento era frequente e os alimentos sofriam com a umidade, como café, açúcar e sal.
A tristeza das perdas de familiares, amigos e vizinhos nunca se desfez, porque essa é muito mais resistente do que as balas e o vírus. Buscamos a figura de muitos queridos nas salas de espera, calçadas, na mesa de nosso jantar, onde estão somente os pensamentos para fazer companhia, ao olharmos a realidade que desejamos esquecer. Contamos as estações do ano como a espera de alguém, que pode vir com a chuva, o sol ou o vento, pra nos distrair de nossas ausências.
Por momentos, ao abrirmos um livro, adiamos certos instantes na conversa com o personagem, distraídos dos eventos no entorno da janela, na busca de distração das dores presentes na alma.
A empatia nos dá a oportunidade de respirar com mais alívio quando aquela mão solitária pede um olhar e abraço ausentes. Todos estamos no mesmo evento humano, um caminho aos últimos dias de nosso respirar. Basta a compaixão soprar no ouvido para que um breve estímulo mostre outro sentido às nossas vidas, precárias de eternidade.
Hoje, a noite está chuvosa e, amanhã, talvez você ceda um abraço na hora que estiverem te esperando, acordados.
Eles não dormem enquanto você não chega.