Quando o verde dos teus olhos
Se espalhar na plantação
Eu te asseguro, não chores não, viu
Eu voltarei pro meu sertão.
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Está aí uma metáfora vigorosa que retrata a mágica transformação que se processa nas paisagens do semiárido nordestino quando o verão inclemente vai dando lugar às primeiras chuvas na estação das águas.
O panorama pintado em cor de pátina ou de um marrom mortiço, vai tomando vida e nem vão lá muitos dias para que o cenário vá se esverdeando num testemunho inconteste do milagre da vida. É o verde “daqueles olhos” se espalhando na plantação. Há imagem mais poética, gentil, do que esta eternizada em Asa Branca? Nunca vi alguma que se aproximasse com tanta leveza e candura do que a que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira colocaram nesse clássico do nosso cancioneiro..
Mas essa canção poderia encontrar eco bem longe daqui. Não acreditam? Pode sim. Vejam:.
Se formos girar o mundo em muitos pontos cardeais, até chegarmos lá nas estepes do Hemisfério Norte, o vilão é outro, antagônico daquele que castiga nosso sertão nordestino. Lá não é o Sol impiedoso que vai maltratar paisagens, bichos e gente, mas o frio glacial que começa aparecer nos primeiros dias de outono e vai sem qualquer compaixão descolorindo todo cenário. Cruel também. Depois vem a neve para cobrir de branco o que o outono deixara cinza e marrom, até que meses depois, ele, o Sol, vá timidamente aparecendo e trazendo quentura para ir aos poucos devolvendo o verde e o colorido à natureza..
Mas o que me fez recorrer a essas lembranças?.
Ah, meus amigos, minhas amigas, alguns dias atrás a Paraíba ganhou de presente uma presença da maior qualidade. Membro da na nossa UBE – PB, uma das organizadoras da Antologia que acabamos de publicar, a escritora Ludmila Saharovsky esteve aqui também para o lançamento da segunda edição do seu livro Tempo Submerso que ocorreu sábado, 7 de outubro, na Livraria do Luiz..
Um livro que retrata a busca de Ludmila pelo paradeiro de seus antepassados assassinados pela ditadura soviética. No primeiro Gulag que visitou no arquipélago Solovitskie pisou em solo impregnado de cadáveres. Assim começava a peregrinação de Ludmila onde ainda hoje as autoridades de lá tentam esconder o desaparecimento de milhões de cidadãos como que se eles não tivessem existido..
A obra de Ludmila não é apenas de memórias, mas traz provas contundentes do terror daqueles anos sombrios. Agora um pouco de Lud.
Assim é tratada no seio da família e no círculo dos mais chegados. Seus pais, vocês já deduziram, são lá daqueles confins do mundo, onde o filete de mercúrio se encolhe nos termômetros. Eram russos. Pais e avós fugiram à perseguição da ditadura stalinista logo depois daquela guerra que nós classificamos como a segunda e os товарищи (camaradas), como a grande guerra patriótica. De lá para um campo de refugiados na Áustria onde a pequenina Lud nasceu.
Resumindo um pouco a história, essa nossa confreira viveu no Brasil como apátrida até sua adolescência. Experimentou o drama de quem não tem o seu chão. [...] Em meu diário secreto, a quase inatingível flor de edelweiss, que nasce nos penhascos, prensada entre as páginas, era uma relíquia que condensava em si, de forma palpável, aquela longínqua realidade. Ela me dizia; “O país em que você nasceu existe de fato, mas você não lhe pertence”.
Mas essa senhora sobreviveu a essa e muitas outras intempéries que o destino colocou à sua frente. Uma sobrevivente. Escritora, poetisa, cronista, promotora cultural, é uma locomotiva em terras paulistas, lá no vale do Paraíba. Sua residência é ponto de encontro de gente das letras, dos bordados, dos que estimam a cultura.
Já eu e esposa estivemos por lá. Usufruímos da hospitalidade daquela atmosfera de uma residência com pose de biblioteca. Um encanto! Mesmo que distante (mora em Jacareí, interior de São Paulo) fez incontáveis amigos aqui pela Paraíba.
Havia visto Ludmila uma única vez, creio que em 1970. Fomos nos reencontrar em um livro: na primeira Antologia da UBE. Amizade que se solidificou, enraizou pelas famílias. Recebemos essa nossa confreira e vimos que o verde dos olhos dela espalharam um pouco de alegria entre seus amigos aqui da Paraíba. È o que sempre acontece por onde ela chega. Como naquela canção.