Para expor realisticamente esse tema tão polêmico, que emerge do meu âmago, a realidade cruel, o misticismo, um pouco de folclore, se...

Poder médico: A queda do mito?

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Para expor realisticamente esse tema tão polêmico, que emerge do meu âmago, a realidade cruel, o misticismo, um pouco de folclore, sem excluir evidentemente os arroubos do romântico e do sentimental, assim sendo iniciamos com as seguintes indagações: mudaram os médicos? Mudaram as famílias? Mudaram as relações entre as pessoas?

Como responder: magia, aura, carisma – tudo se mistura e pouco se define quando se trata de abordar a imagem e a própria dinâmica da relação – médico/paciente/família no século passado . E assim acrescentamos uma palavra por demais importante dentro deste contexto: o saudosismo inerente a esta policromia, que designo como feiticeira.

Era como se nas mãos daquele em quem se buscava a aura para um mal, residisse à capacidade de resolver todos os outros. A própria definição do “mal” parece, aos olhos da atualidade, tão volátil quanto à relação em questão.

Pois se antes, um leve mal-estar levava aos consultórios, também as inquietações dos pacientes, esperando em troca a solução para tudo, hoje esta imagem parece perder a conotação quase que divina, enquanto revestida de fatores como onipresença e onisciência, e o doente passa a exigir de seus médicos uma conduta imediatista, tal e qual o ritmo dos dias atuais.

Justificativas, há. As especialidades afirmam-se a cada ano que passa e, assim, o paciente pode, teoricamente, contar com um médico para cada parte do corpo, por assim dizer. Além disso, a corrida para a sobrevivência não mais permite despender-se muito tempo com um só paciente discorrendo por exemplo, sobre um filho que não se alimenta a contento, pode-se recorrer ao pediatra, ao psicólogo, além do que... tempo é dinheiro.

O que mudou? Mudou-se, por quê? Uma dúvida que refletimos num primoroso conceito “ao médico entrega-se a vida... e a Deus, entrega-se a alma”, diz a primorosa assertiva. Mas como entregar uma sem entregar a outra? Saúde e doença, binômio que interfere diretamente na maneira de as pessoas se relacionarem com um mundo e consigo próprias, assim como as relações afetivas e emocionais podem interferir no estado de saúde e “adoecer” ou “curar” alguém, por isso falar de doença ou saúde implica necessariamente de si, da casa, do trabalho, do ambiente e das pessoas que nos rodeiam.

O convívio estreito entre médicos e pacientes, estas exigências, de tal forma que problemas pessoais, familiares e até mesmo conjugais eram confiados ao médico, que por tudo isso, participava de toda economia e de toda a dinâmica de um núcleo familiar que não o seu.

Enfim, mudaram os médicos, mudaram as famílias e mudaram as relações entre as pessoas. Um ser vestido de branco, um semideus, que aliava a austeridade e erudição, a uma bondade sublime, sem excluir jamais a honestidade e o desprovimento de interesses financeiros, esta figura magnânima já não existe mais, vitimados e encurralados por uma sociedade cruel e desumana dos dias atuais, juntando-se ao crescimento demográfico das populações, uma economia instável e um sistema de saúde falido, obrigando a super-especialização, a proliferação da tecnologia sofisticada, dirimindo cada vez mais o contato com o paciente, uma relação que vem perdendo sua harmonia e sublimidade. Como resultado as famílias acompanharam este processo, não por querer, mas pelo novo modus vivendis da atualidade, com a queda vertiginosa do tradicionalismo e o aumento em progressão geométrica da pobreza, culminando com o fim da classe média. Com o exposto nestas linhas, dispensa por completo, responder por que mudaram as relações entre as pessoas.

E assim para tristeza e melancolia de poucos e felicidade e gáudio de muitos, envolvendo todo o contexto: médico, família e relacionamento das pessoas, agonizando os consultórios, os hospitais-escolas e privados, carentes de um poder glorioso, enigmático, humano, firme, determinado, impossível de comparação em qualquer conjuntura política, econômica e social, o poder do médico, que ainda podemos ouvir ecos e ressonâncias aqui e alhures de uns poucos, porém valorosos e obstinados Esculápios, numa busca determinada e audaciosa de um dia poder vislumbrar aquela figura imponente que da forma mais natural conseguia sem imposição, apenas com sua quase onipotência, fazer perfilar-se os ambientes que adentravam.

Concluímos estas linhas perfilando nesse exército minoritário, porém brioso, refletindo de forma sublime e serena no pensamento lapidar do grande Miguel Couto: “A medicina nunca perderá o seu encanto humanístico”.

Fortalecido nesse libelo do Mestre Couto, acendemos a chama da esperança na busca do poder e do mito.

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